sábado, 24 de outubro de 2015

Mãezinha

Faz agora um ano que a minha mãe morreu e surpreende--me o que ela tem mudado depois de se ir embora. Não falo de idealização, não falo de saudades, falo de transformações reais. Parece-me que nada se alterou em mim em relação a ela, acho apenas que se modificou com o tempo. A nossa relação não foi sempre pacífica, muito poucas vezes foi pacífica, comecei logo por a minha mãe quase ter morrido, com uma eclampsia, quando nasci e, daí para a frente, as suas preocupações comigo não pararam. Meningite, tuberculose, cancros, isto no que diz respeito à saúde, no que diz respeito ao resto mau aluno, mal educado, o meu percurso escolar envergonhava-a, contava que ia ao liceu pedir aos professores que me pusessem na primeira fila visto que eu não ligava nenhuma às aulas, contava que, durante a prova escrita do exame de admissão, enquanto os outros meninos escreviam eu estava sentado ao contrário na carteira, a olhar para o tecto.
- E por aí percebi logo o que ia ser a vida dele
acrescentava, já a ver-me vender Bordas d'Água e pensos rápidos nas esplanadas. Depois era desobediente, malcriado, mentiroso, passava o tempo a ir buscar papel almaço de trinta e cinco linhas para escrever, lia livros que nada tinham em comum com aqueles que devia estudar e roubava-lhe cigarros para fumar às escondidas na janela da casa de banho, todo inclinado para fora por causa do cheiro. Praticamente não falava e desobedecia o mais que podia. Julgo que, na sua ideia, era uma espécie de vagabundo a-social em botão. A minha passagem pela faculdade foi calamitosa, eu que queria trabalhar nas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian e, se acabei o curso, foi devido à teimosia do meu pai e ao auxílio do meu irmão João. Faltava às aulas, ia para o cinema encostar, ou deixar que senhoras que nem via encostarem a perna à minha, apresentava-me aos exames com uma ignorância virginal. Para o fim, desesperada, a minha mãe prometeu que me dava a carta de condução se eu fizesse os exames todos na primeira época e, daí para a frente, a partir do quarto ano, passei a fazer os exames todos na primeira época para ter mais tempo de férias para escrever. Aí, na praia, passava quase o verão inteiro fechado no quarto a fabricar obras-primas que deixavam de o ser mal as lia e acabavam, rasgadas com ódio, no lixo. Consciente da minha ausência de talento proclamava com modéstia

- Vou ser o maior génio do mundo
e recomeçava depois de queimar aquilo junto à figueira do quintal. (O meu irmão Pedro apanhava as sobras. Se calhar achava-me um génio igualmente, sei lá, e fazíamos concursos de chichi a ver quem atirava o jacto mais longe.)
Enquanto isto a minha mãe suspirava
- Oh filho
a abanar a cabeça com desgosto, tentava levar-me para o caminho da virtude, alto e fragoso, mas no fim doce, suave e deleitoso (Camões) e eu insistia nas redações, desesperado
- Ainda não é isto, ainda não é isto
sempre com vontade de desistir mas insistindo numa paciência de boi. A minha mãe lá ia aturando estas e outras desgraças, eu considerava-a intolerante e injusta, ela considerava-me uma criatura estranha (estou a ser simpático para comigo) mas, a partir de certa altura, comecei a olhá-la de uma maneira diferente. Trabalhava como uma moura para educar aquele rebanho de filhos, ocupava-se de tudo e, lentamente, começou a acreditar um bocadinho (pouco) em mim. O meu pai não era um homem fácil, nós não éramos muito fáceis, a sua vida não era fácil, o dinheiro não abundava, ela procedia diariamente à multiplicação dos pães e dos peixes (pães e peixes de toda a ordem) e, estranhamente, comecei a desconfiar que gostava dela mas nunca lho mostrei muito nem fui suficientemente grato. Não sei porque misteriosa razão era, muitas vezes, desagradável para ela, brusco, esquivo. Perto do fim comecei a dizer-lhe poemas, eu que já não os escrevia há que tempos (a minha mãe adorava poesia), a ser, de longe em longe, terno para ela, a, imaginem, beijá-la. Depois houve o episódio horrível da morte do Pedro, que continua a doer-me irremediavelmente. Fomos dizer à mãe, a mãe disse
- Tenham misericórdia de mim
a mãe acrescentou
- Uma mãe não tem o direito de estar viva quando um filho morreu
e, passado pouco tempo, desejosa de se ir embora para estar com o filho de novo, faleceu de tristeza. E principiou a aparecer diante de mim uma mulher inteligente, forte (ela que era pequenina e fisicamente frágil), decisiva na formação dos filhos (foi ela, por exemplo, que ensinou a ler), séria, honesta, de uma dignidade exemplar. Agora sim, conversamos às vezes. Agora sim, compreendo o pouco que recebeu da vida, sem queixumes (nunca foi azeda). Agora sim, compreendo que capaz de amar. Isto tudo ganhou depois de morrer e, claro, o que declarei ao princípio estava errado: não foi você, mãe, que mudou. Mudámos os dois. Quer dizer, deixemo-nos de tretas: mudei eu. Tenho o seu retrato na sala, grande, tão no género da maior parte dos seus filhos. Não no meu que saí à família do meu pai. Mas não faz mal, não é? Vim tanto de si como os meus irmãos e metade do sangue que derramei a escrever esta crónica pertence-lhe.

ANTONIO LOBO ANTUNES
http://visao.sapo.pt/opiniao/opiniao_antonioloboantunes/2015-10-16-Maezinha-1

TEMPO!


O tempo vai passar, irmão meu.  
Não fique triste. É mesmo assim.
Tão certo é isso, tão plausível, que chego a estremecer ao saber, ao compreender, ao sentir que não estaremos aqui para vermos, para continuarmos a ver,
A luz amarela da lua que algumas noites cheias têm...
Ou o pôr de sol que se vê de certos lugares mágicos,
Aos pés de despenhadeiros à beira mar.
Nós passaremos pelo tempo que por ora ainda é nosso
E ficarão umas fotografias, algumas notas
E quem sabe um poema velho
Nos advertindo de que a vida (mais que o tempo)
PASSA MESMO.

E que faz tu enquanto ele escoa?

terça-feira, 28 de julho de 2015

Então...

Então...
Quando me apaixonei pela primeira vez, não sabia o que era paixão. Só sentia uma saudade medonha quando ela não estava por perto. Ficava desenhando mentalmente as feições de Leninha, mas sem conseguir traçar bem as curvas, as cores, as reentrâncias, o perfume, o jeito moleca.
Um dia a segui, sem que me percebesse, até a sua casa, que ficava próxima a padaria do bairro. Dai em diante, fins de tarde, queria ir sempre comprar pão. Minha mãe estranhou aquilo, aquela disponibilidade surpreendente para descer a rua, quando sempre me negava a ir. Passei a pentear mais o cabelo, a botar perfume, a não ir tão desarrumado. Queria passar na frente da sua morada, e havia um trecho do caminho em que andava em câmera lenta, para ver se ela me via, para ver se eu conseguia vê-la. Uma vez a encontrei lavando louças no quintal num vestidinho-inho-inho de chita, colorida e cheia de espuma nas mãos. Linda, me viu, parou um momento o que estava fazendo e me sorriu.
Assim, a partir desse instante breve (que durou muito para soverter-se em minha imaginação), sempre que estava distante dela redesenhava seus contornos, as suas curvas,  as suas formas, mentalmente. E quando se presentificava, quando de repente estava frente a frente com ela, sentia o terremoto tomando corpo: frio na barriga (ou seriam borboletas?), tremores nas mãos, um nó na garganta, gagueira súbita e um formigamento intenso nas pernas. Era um cataclismo. E foi assim, desequilibradamente, que descobri o que era estar apaixonado.
Anos depois, quando comecei a fazer de teatro, perto da minha primeiríssima estreia, na velha capela de São José, no Córrego do Jenipapo (Casa Amarela), sabendo que em poucos minutos entraria em cena para fazer algo que só eu poderia fazer, com a minha voz, meu suor, meu corpo, minha vida, meu afeto, fiz outra nova descoberta (para mim) fantástica: é que outra vez me vieram os tremores, outra vez o frio (borboletas?) na barriga, outra vez o formigamento e uma vontade insana de fazer xixi. Era algo tão poderoso quanto encontrar Leninha, era desestabilizador. E demorava um ou dois segundos para sentir o mundo aquecer, depois que entrava em cena. É assim ainda, quando retorno aos palcos (agora mais dirigindo as encenações do que trabalhando nelas como ator), todos os sintomas, surpreendentemente, me retornam, fixam-se em mim, me desestabilizam.
Agora neste início de agosto são vocês, meus amores, meus colegas, meus amigos, do Curso de Interpretação para Teatro (SESC Santo Amaro), que estarão entrando em cena para uma aventura intensa e cheia de paixão com a Leninha de vocês.
Eu, ali sentado na platéia, no escuro, vou torcer por cada instante. E vou pedir aos deuses todos que os iluminem com luz, sucesso e aprendizado renovado em cada novo projeto que vocês se meterem. Vai ser bom! Vai ser foda!
Uma vez, numa de nossas primeiras aulas, falei sobre a grande diferença entre SER APAIXONADO e SER APAIXONANTE. Que uma pessoa com paixão é coisa boa, mas que uma que seja capaz de incendiar os outros com a sua paixão é supremo. Que possamos incendiar com a nossa paixão os que entrarem em contato conosco. Que seja combustão pura. Que seja luz e calor. Agora, estrelas, é chegada a hora de brilhar. Vão lá e arrasem!

Saudades de vocês, saudades de todos, saudades de tudo.

domingo, 24 de maio de 2015

Outro dia estávamos conversando sobre ser criativo. Eu prefiro falar de ser criador, que é algo que foge aos enfeites e perfumarias (e muito mais difícil de alcançar)...

“Por que é que a tua atriz não diz os textos dependurada num tecido, era muito mais criativo”.  Sei. A questão está na necessidade imperiosa que temos de pirofagia: quanto mais fogos de artifício, melhor. Eu que tenho reais dificuldades com tudo o que é criativo, estou sempre tentando fugir das receitinhas, embora saiba que não estou jamais tentando redescobrir a pólvora. E sinto que muitos de meus pares tendem a colocar obstáculos com a simplicidade das coisas. E isso me tira de verdade a paciência. Faz lá o teu espetáculo e põe o teu tecido e pendura nele quem você quiser. Acho digno. Mas não é a minha... a não ser que o próprio processo de criação me solicite coisas assim, eu simplesmente me nego a fazê-lo. Que outros, mais criativos que eu, o façam.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Violência - Zizek

“A consciência ética ingênua nunca deixará de se surpreender pelo fato de que pessoas que cometem terríveis atos de violência contra seus inimigos possam manifestar uma calorosa humanidade e delicada preocupação em relação aos membros de seu próprio grupo. Não é estranho que o mesmo soldado que massacrava civis inocentes estivesse pronto a sacrificar a sua vida por sua unidade? Que o comandante que ordenava o fuzilamento de reféns pudesse na mesma noite escrever à sua família uma carta cheia de amor sincero?”


Slavoj Zizek

Sol! Luz e fortuna!

Hoje ouvi de minha atriz que ela nunca e jamais se sentira sozinha no palco (apesar do trabalho ser um monólogo) porque sabia que eu estava ali com ela o tempo todo. E me deu um abraço apertado, já em vias de voltar à sua Itália querida. Eu fico contente por que é a mais pura verdade. Não trabalho sozinho e este espetáculo em especial só foi possível porque o monólogo é de fato um diálogo de muitas vozes juntas, de muita escuta, de muita cooperação. E além do mais (fora uns momentos em que a gente de fato precisa), é muito ruim se sentir só... e mesmo quando estamos deveras só, nunca estamos. Há que se ter pelo menos os fantasmas (os nossos) por companhia. Boa viagem, Sol! Luz e fortuna!

Tranquilo

O que ele queria mesmo, o que alimentava secretamente em seu coração, era uma pausa mínima para dar asas a outras faces de seu ser. Não exatamente uma vida mais tranqüila, mais uma vida mais VIVA. Correndo sempre o tempo todo daqui para lá se sentia como se sua vida se esvaísse em desnecessidades alheias que não lhe supriam o vazio. Queria um espaço de tempo para beijar e passear com os seus filhos nas cascatas de Bonito. Uma rede para balançar com o seu amor. Um silêncio cheio de escuros aconchegantes debaixo de cobertores cálidos. Queria uma taça de vinho e uma música suave em contraplano. Queria sentir a vida um tantinho que fosse mais de perto. A felicidade talvez estivesse escondida na simplicidade das coisas amenas.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

CARTA


Meu caro poeta,

Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola tracada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos , aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? - perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: "eu vos trago a verdade", enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: "eu te trago a minha verdade." E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócritos!
Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as disgressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: "O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escrevem os seus poemas?" A poesia é dessas coisas que a gente faz mas não diz.
A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.
Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: "Eu não te largarei até que me abençoes". Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técninca dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.
Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.
Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.
Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?

Mario Quintana


terça-feira, 19 de maio de 2015

“Melhor sair para a rua... Ou entrar para a rua? Mas se a rua não fosse uma espécie SUI GENERIS de lar, porque se diz então 'A PORTA DA RUA' e não 'A PORTA DA CASA'”


Mario Quintana

DA DIFÍCIL FACILIDADE

“É preciso escrever um poema várias vezes para que dê a impressão de que foi escrito pela primeira vez”.


Mário Quintana

QUINTANA 5



“A nossa própria alma apanha-nos em flagrante nos espelhos que olhamos sem querer”

QUINTANA 4

“O relógio de parede numa velha fotografia – está parado?”

QUINTANA 3



“O fantasma é um exibicionista póstumo”

QUINTANA 2

“Sonhar é acordar-se para dentro”

QUINTANA 1

VIVÊNCIA

“O bom das filas é nos convencerem de que afinal esta pobre vida não é tão crta como dizem”

Mário Quintana

sexta-feira, 15 de maio de 2015

“É tão fácil fingir que fazemos teatro e fingir que assistimos teatro não é minha gente? É fácil eu fazer um espetáculo de merda e o outro assistir fingindo que gostou, amou e chegar no camarim dizendo "vc arrasa!" depois sair dali e, tomando uma cerveja, nem lembrar mais que espetáculo viu: "como era mesmo o nome? era uma mulher negra em cena. Ela falava umas coisas lá, nem lembro mais o que eram!" E Soraya por ser uma figurinha bem querida no meio da classe artística teatral, poderia ser ainda mais uma vitima desses falsos elogios que só acontecem realmente quando o espetáculo acaba lá no camarim ou quando encontram com ela pelo meio das ruas. Mas o que está acontecendo è uma coisa contraria e linda: as pessoas continuam lembrando do espetáculo viu, Soraya-não-descascada. As pessoas continuam publicando coisas em seu nome no Facebook por que o espetáculo ainda reverbera no cotidiano dessas pessoas. Agradeça aos Deuses Soraya por todo esse percurso lindo. Agradeça aos Deuses por terem lhe feito dar esse salto. agradeça todo dia e peça pra não esmorecer, pra não se envaidecer, pra não esquecer a missão que esse espetáculo tem com vc e com a sociedade. peça pra evoluir com Olhos de café quente ou no mínimo peça pra manter esta obra neste ritmo, nesta lubrificação. E prepare o couro por que vc não foi descascada o suficiente! hehehhehehehehheh! parabéns!”

Asaías Lira

Assistente de Direção

quarta-feira, 13 de maio de 2015

café quente


"Gosto muito de tomar café! Gosto muito do aroma do café! Gosto muito quando o café é passado em coador de pano, pois, o sabor é especial! Hoje conheci os “Olhos de café quente” um olhar especial dos queridos Soraya Silva e Quiercles Santana sobre a poesia de Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda. Um café gostoso com sabor de memorias... Aquela historia que pode ser de qualquer um que tem na pele as marcas dos signos ficados, fincados e cravados... Na historia... Heranças e “erranças”... Da historia... Café forte daqueles pisados num pilão... Historia poética com o aroma de minha infância. Aquecendo minhas lembranças. Obrigado a todos envolvidos nesta produção por ter- me servido esse café de aroma especial com tão belas lembranças! Valeu muito querida Renata Phaelante! Um espetáculo que deve muito ser visto! Que volte logo uma nova temporada!"

Henrique Celibi

quinta-feira, 7 de maio de 2015

“O teatro é uma experiência muito forte, como se implicasse um despertar da consciência. É um CONHECIMENTO QUE CHEGA A CADA ESPECTADOR ATRAVÉS DO CORPO. Durante a representação, alguma coisa se revela no núcleo corporal do espectador. ISSO TEM A VER COM A SOLIDÃO DE CADA UM. Mas o teatro permite partilhar essa solidão com outras solidões. Cada solidão é igual dentro do coletivo chamado ‘público’, e procura a revelação de si mesma. O público é composto por essa justaposição de SOLIDÕES DESCONHECIDAS que, de repente, durante a representação, formam um só corpo. (...) O teatro, da forma como o concebo, é um aparato capaz de DESPERTAR O OLHAR do espectador. Nós precisamos partilhar o olhar, é uma necessidade. Mas não se trata de simples curiosidade, do olhar sem profundidade da comunicação, fixo, monótono como uma câmera de vigilância, sem nenhum campo de tensões. O olhar do teatro, que podemos partilhar durante o espetáculo, é, ao contrário, um OLHAR HIPNÓTICO, que se MOVIMENTA, é capaz de TRANSFORMAR E ‘FORMAR’ AS COISAS QUE VÊ (...) É o olhar do corpo, extremamente físico: funciona como um poro da pele por onde passam os humores, as emoções, as sensações e também o conhecimento. Os gregos chamavam isso de EPOPTEIA, o olhar de Elêusis, que é uma forma de engajamento: ELE CRIA A FORMA QUE OLHA, é carregado da maior POTÊNCIA possível. Portanto, é necessário passar pela força original do olhar, o que implica CONFIAR NO ESPECTADOR, DAR-LHE O PODER DE CRIAR, POR MEIO DO OLHAR, O ESPETÁCULO QUE VÊ. E o poder de criar é dado a todos. Meu espectador ideal seria aquele que entrasse no teatro por acaso: SEM FERRAMENTAS INTELECTUAIS, seu olhar é totalmente SENSAÇÃO, conhecimento por meio dos SENTIDOS, pura ABERTURA FÍSICA à representação, PORO ABERTO AOS AFETOS que vêm da cena.”


ROMEO CASTELLUCCI

terça-feira, 5 de maio de 2015

Sobre Olhos de Café... percepções de Flavinho

"Um poema em movimento, em forma de mulher também... Um poema que parecia flutuar... E sentado e dançando e rindo e falando suave, e falando forte, cheio de emoção e dramaticidade... Um poema com velas ao redor, em chamas, nos chamando... Com luzes frescas, luzes transparentes, ambas na pele do poema, transpassando a alma dele... Abrindo, fechando, expondo, escondendo... Uma música no poema, que arrebata, expõe a vida mais importante do poema no fim... Vida dos filhos, filhos poemas... Poemas de encenação tão simples, tão direta... De direção sabida, gradativamente sabida, inteligente, perspicaz... Manejou o poema de leveza, de tão rara beleza... Eita que vontade de dizer que o simples existe e é difícil, é difícil de existir... Quanto mais de ver, e eu vi... Me deleitei... Como fico agradecido... Agradecido... Que bom que vendo o poema beber e beber, beber e beber pra escrever e escrever... O preto, beber o preto pra escrever, a preta... Preta poema, escreve, escreve em folhas puras, poema de preta despojada, atenta, compenetrada, jogada, arisca... Preta mulher poema... Não há cansaço que vença com esse preto engolido. Essa preta bebendo e dizendo, dizendo... Dizendo e fazendo... E quando não fazia, sofria... Sofre, sofre e segue, tem que seguir dizendo, narrando a vida... O fado é um frouxo nó... A determinação é a morada da negra... E mais, e bem mais... Pra eternidade ficar, escreveu a vida não era escolha, sina. Sua.
Parabéns pra todos os seres poemas que realizaram Olhos de Café Quente"

Flavio Renovatto

sobre os OLHOS DE CAFÉ QUENTE

“Uma narrativa poética que convida todos Ser primeira pessoa!Um discurso atualizado que contempla uma civilização. São elas: Soraya Silva, Carolina Maria de Jesus, Elisa Lucinda....ou a quem se destinar. Em sua bela performance nos apresenta o cotidiano de uma mulher, negra, pobre, mãe, trabalhadora, cujo destino brincou entre voos e abismo. A outra, com esmeralda nos olhos, nos açoita a desigualdade pungente de manter o privilégio dos brancos. Com sagacidade extrema, a atriz preenche os poros do teatro com dentes em escárnio rasgando os olhos da verdade, e faz gritar o sonido dos corações que insistem em querer acelerar silenciosamente. Entre sombra e luz escancara as práticas racistas de forma lúcida e deixa como rastro o fogo consumido nos pingos de vela.
Olhos de café quente. Uma peça com conteúdo e de qualidade inquestionável.
Recomendo a todos que se dedicam e disponibilizam a se sensibilizar com a arte!


Paula Fônseca

domingo, 3 de maio de 2015

"SOBRETUDO ESCUTO BACH ENQUANTO A VIDA ATUA.
LEMBRO SEIXAS SUAS CANÇÕES NOS SOAM TÃO SIMPLES QUE NÃO VEMOS SUA COMPLEXIDADE E A VIDA QUE AS SUSTENTA ONTEM, SÁBADO, ESTIVE PRESENTE AO HERMILO BORBA FILHO E ME DELICIEI COM "OLHOS DE CAFÉ..." A SIMPLICIDADE E O ENCANTO E A BELEZA SE FUNDIRAM COMO SE FUNDEM NAS MÚSICAS DE SEIXAS TORNEI-ME, ONTEM, UM HUMANO UM POUCO MELHOR E ESTOU MAIS PRONTO PARA AS COISAS SIMPLES COMPLEXIDADES DA VIDA OS MEUS AMIGOS E MINHA FAMÍLIA SABEM E CONHECEM MINHA PAIXÃO POR CAFÉ DE HOJE EM DIANTE AO BEBÊ-LO E FAÇO ISSO A TODO INSTANTE BRADAREI - "VAMOS AOS OLHOS DE CAFÉ QUENTE !!" VIU COMO TEATRO É SIMPLES !? MEU AMIGO E TODOS JUNTOS COM VOCÊ NESSA SABEDORIA SIMPLES VVAAALLLLEEEEEUUUUUU !!!!! NESSE MOMENTO ESTOU AOS OLHOS DE CAFÉ QUENTE COM CAROLINA DE JESUS QUE VEIO VISITAR-ME SEM AVISAR TÉ."

Almir Nilson Rodrigues

CARTA A MEU PAI

Pai:

   Este é o primeiro Natal sem você e não está fácil. Agora você foi mesmo embora e nada pôde detê-lo, nem minhas preces nem minhas lágrimas nem o esforço dos médicos. Bem que eu tentei repetir a façanha de trinta anos atrás, você se lembra? Nós morávamos em três cômodos apertados e eu dormia na sala. Só nós três: mamãe, você e eu. Apesar da pobreza da sala -- um guarda-comida velho, uma mesa e quatro cadeiras, minha cama e a cantoneira do filtro --, tínhamos telefone e eu me considerava privilegiada entre os vizinhos daquele fundo de quintal. Mas meu privilégio não parava aí: você trabalhava num escritório e era visto como intelectual pelos operários que moravam em torno de nós. E eu tinha um orgulho danado disso. Eu amava você, porque era bonito, tinha as mãos limpas e sabia mais que os outros. Éramos placidamente felizes e acho que me faltava apenas um quartinho só meu, para que tudo fosse perfeito. Então, quando eu tinha dez anos, as coisas começaram a mudar. Ela era vizinha de seu serviço, ou sei lá o que e telefonava atrás de você quase todo dia. As brigas começaram a ficar freqüentes e mamãe estava sempre chorando pelos cantos. A situação foi piorando e no princípio de dezembro, no calor de uma briga mais feia, você anunciou que ia embora com ela antes do fim do mês. "Antes do Natal?" Perguntei espantada. Você me olhou zangado e saiu batendo a porta: acho que você estava mesmo apaixonado. 
    A partir deste momento eu vivi apavorada com a idéia de sua partida. Minha pobre cabeça de dez anos não concebia a vida sem você e, ao mesmo tempo, não conseguia inventar uma forma de evitar isso. Minha mãe não ajudava nada, entregue à sua tristeza e totalmente desanimada. Naquele tempo, eu era ingenuamente religiosa e acreditava que, se a gente pedisse com fé e a causa fosse justa, fatalmente a graça seria alcançada. Comecei a rezar com todo o afinco de que era capaz e, com o passar dos dias, adquiri a certeza de que tudo daria certo. Sentia uma calma estranha dentro de mim e comecei os preparativos para o Natal, como se nada de errado tivesse acontecido ou fosse acontecer.
  Criei um espaço só meu e passei a ignorar o ambiente cada vez mais tenso entre você e mamãe. Armei nosso pinheirinho de poucas bolas e algumas estrelas de papel e resolvi fazer eu mesma o bolo de Natal, já que mamãe permanecia alheia a tudo. Era um bolo complicado, meio bolo, meio pão, com frutas secas na massa e na cobertura. Você gostava muito e era uma tradição em nossa casa. Eu ajudava mamãe todos os anos, mas nunca fizera sozinha. Juro, pai, foi um sacrifício. Considerando o fogão de lenha, o ponto da massa e a minha inexperiência, o bolo só poderia sair como saiu: torto, duro e embatumado.
  E a noite de Natal chegou. Meu coração já estava miudinho e ficou mais apertado ainda, quando você entrou pisando duro, não quis jantar e foi para o quarto arrumar sua mala. Jogou tudo dentro, de qualquer jeito, despediu-se das coisas com um olhar rápido e me chamou com uma voz esquisita: "Venha dar um beijo no papai". Cega pelas lágrimas eu me pendurei em você e a única coisa que achei para dizer, aos arrancos, foi: "Nem... vai comer... um pedacinho de bolo? Eu fiz pra você... sozinha".
  Houve um momento suspenso no ar e eu senti, de repente, seus ombros descerem, derrotados. Você olhou para mim toda desfeita, para o triste bolo em cima da mesa, examinou a mala como se não fosse sua e colocou-a no chão numa desistência muda. Sentou-se, comeu corajosamente um pedaço de bolo e depois, debruçando-se sobre a mesa, chorou longamente seus planos perdidos. Então você tirou do bolso uma passagem de ônibus e, bem devagar, picou-a em pedacinhos: nossa vida voltava ao normal.
  Esses pedacinhos de papel, pai, que você jogou fora com seus anseios de aventura, eu os guardo até hoje. Houve muitos outros Natais, com bolos bem feitos, risos e alegrias, mas nunca mais recebi de você nem de ninguém um presente que me fizesse tão feliz. Mesmo agora, neste Natal que marca sua ausência física definitiva, aqueles papeizinhos quase desfeitos pelo tempo me consolam e me dão a certeza de que, de uma forma ou de outra, você dará sempre um jeito de continuar eternamente conosco. Feliz Natal.
Sua filha.


Maria Myrtes de Camargo Renesto (diretora da Escola Estadual Professor Alberto José Ismael, São José do Rio Preto).

quinta-feira, 30 de abril de 2015

EXISTEM PEQUENAS PERCEPÇÕES INCONSCIENTES



LEIBNITZ

Existem mil indícios que nos levam a julgar que temos, a cada momento, uma infinidade de percepções, mas sem apercepção e sem reflexão – ou seja, modificações na alma das quais não nos damos conta porque as impressões são ou muito pequenas ou muito numerosas ou muito próximas, de modo que não se consegue distingui-las senão parcialmente; apesar disso, não deixam de fazer sentir os seus efeitos e de se fazer sentir ao menos confusamente em seu conjunto.
Dessa maneira, o hábito faz com que não prestemos atenção ao movimento de um moinho ou a um jato de água, quando ficamos na sua vizinhança por algum tempo. Não é que esse movimento não continue atingindo os nossos órgãos e que não aconteça algo na alma que responde por eles, devido à harmonia da alma e do corpo; mas essas impressões que estão na alma e no corpo, desprovidas da atração da novidade, não são fortes o bastante para chamar a nossa atenção e a nossa memória, atraídas por objetos mais interessantes.
De fato, toda atenção exige memória e, muitas vezes, quando não somos avisados, por assim dizer, para prestar atenção a alguma das nossas percepções presentes, deixamo-las passar sem refletir e também sem notá-las; mas se alguém logo depois nos avisa e nos faz reparar em algum ruído que se ouve, lembramo-nos dele e damo-nos conta de tê-lo percebido um pouco antes. Assim, existiriam em nós percepções das quais não nos apercebemos imediatamente, derivando a apercepção apenas da advertência após um certo intervalo, por menor que ele seja…
Nunca se dorme tão profundamente que não se tenha alguma sensação – mesmo que fraca e confusa – e nunca acordamos com o maior barulho do mundo se não tivéssemos a percepção do início desse barulho, por menor que fosse, assim como nunca se partiria uma corda com o maior esforço, se não fosse estendida e alongada ao menos um pouco por meio de esforços mínimos, ainda que a pequena tensão que estes provocam não se manifeste.
Essas pequenas percepções, pelas suas consequências, são, portanto, de eficácia maior do que se pensa. São elas que formam aquele não sei quê, aqueles gostos, aquelas imagens das qualidades dos sentidos, claras no seu conjunto, mas confusas nas suas partes, aquelas impressões que os corpos externos provocam em nós e que encerram o infinito, aqueles vínculos que todo ser tem com todo o resto do universo.


OLHOS DE CAFÉ QUENTE - entrevista para o SATISFEITA YOLANDA?

Como vocês compuseram a dramaturgia?
A dramaturgia foi sendo erguida por tentativa e erro na lida diária dos ensaios. A gente testava, como um brincoleur, os fragmentos , casando as vozes, fazendo a alquimia de duas escritoras (Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda), que têm escritas completamente distintas. Como dar coesão de modo que fossem salvaguardadas as diferenças, fazendo ressaltar as semelhanças a ponto de que a performance da atriz tivesse coerência dramática.
Como foi dirigir poesia?
A poesia está na prosa das escritoras. É uma poesia em potencial, não se trata de poemas, fique claro. É antes uma contundente exposição de argumentos, de relatos sobre o que se vê, o que se vive no dia a dia, nas esperanças e solidões dessas mulheres. É uma poesia garimpada no prosaico da realidade.
Isso se falamos de poesia enquanto dizer, enquanto palavra.
Mas o espetáculo guarda outra poesia, super importante para nós, que é a poesia feita com o espaço e o tempo. Porque não são apenas as palavras que falam em OLHOS DE CAFÉ QUENTE. É também o silêncio, é o tempo, que diz quando a palavra não pode mais dizer. É a dor entalada no peito, o nó na garganta, a espera, os sonhos não realizados, os nossos mortos que carregamos, as pequenas percepções da vida e do mundo que de repente nos faz silenciar e ouvir este fundo sem fundo que é o  tempo passando (ou nós passando por ele).
Por que essa escolha?
Essa escolha, a principio foi feita pelas atrizes Márcia Cruz e Soraya Silva. Elas que me convidaram. Com o tempo fui me apaixonando também pela proposta inicial delas.
Quais suas influências para criar a cena?
Sabe,  não pensei nisso, em influências. Mas em fluências, sim. Em deixar a “música” soar. Como criar dinamismos, mudanças de atmosferas, instaurar sensações com o corpo, como afetar e deixar ser afetado. Uma leitura que me tem feito pensar muito e que devorei no processo de realização desse sonho foi “Ideograma: Lógica, Poesia, Linguagem”, do Haroldo de Campos.
Qual o tratamento interpretativo para falar sobre “ser mulher, de ser negra e de ser pobre no Brasil”?
Talvez alguns estudiosos das obras das autoras reclamem por não vê-las ali representadas. Não queremos representar ninguém, mas apresentar, ou seja, tornar presente uma força que se move, que dança, que se imobiliza, que toca o invisível da linguagem. Não esteve nunca em nosso foco de atenção representar as autoras, mas recriar as suas obras. Não é uma biografia histórica delas. É uma reinvenção das suas vivências. Isso sem panfletos, por que também não é muito a nossa levantar bandeiras, mas provocar, sacudir, pensar sobre as situações. Há momentos do espetáculo que são completamente criticáveis, até politicamente incorretos, que interessam pelo poder crítico que carregam. Não quer dizer que concordamos, mas quer dizer que são importantes como alavancas de reflexão.
Como é a direção de arte e técnica?
Uma opção estética foi pelo mínimo. Até mesmo porque não temos dinheiro e não fomos agraciados por nenhum edital público de fomento. Então apostamos no mínimo. Nenhum grande cenário. Luz e palco quase nu. E olha como é difícil porque não é simples mesmo chegar no simples. É bem complexo. Mas acredito que conseguimos coisas muito importantes aqui, inclusive porque não desistimos de criar este mundo, mesmo sem grana. É uma aposta alta no poder evocativo da palavra e no corpo movente.
O que você espera do público ao abordar episódios complexos e diria até, violentos?
O que espero é que possamos afetar as pessoas de alguma maneira, emocioná-las ao mostrar uma mulher sozinha em cena a conjecturar sobre o valor da arte e da vida, com os seus fantasmas. Que o espetáculo possa ser um espelho e olhando para a Soraya possamos nos enxergar um tantinho melhor. É bem pretensioso, mas sem pretensões como fazer teatro hoje?
Por que vocês vão ficar tão pouco tempo em temporada?
Uma questão é que muitos grupos disputam os espaços hoje em Recife. Outra questão é que a atriz deve voltar à Itália no fim do mês e não temos como segura-la aqui, a não ser que o espetáculo seja convocado para muitas outras apresentações, mesmo que em espaços alternativos (o que é possível porque tudo cabe dentro de uma mala). Não precisamos de muito para ir adiante. E ainda temos de pagar a muita gente que topou esta poesia junto conosco.

http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/2015/05/01/poesia-contra-preconceitos/

quarta-feira, 29 de abril de 2015

“Existe uma diferença entre aquele que escreve com o objetivo de alcançar alguma coisa e o que escreve por ter dentro dele algo que reclama , que chama. Isso acontece com o escritor , mas também com o músico, o ator ou o carpinteiro”


Everardo Norões

ARTE NÃO SERVE PRA NADA

Flávio Paranhos

Logo no início da ópera La Bohème os amigos artistas Rodolfo (poeta) e Marcello (pintor) conversam sobre o clima gelado que faz em seu modesto e mal aquecido apartamento. Rodolfo, então, propõe queimar os manuscritos da tragédia na qual trabalhava para alimentar o forno. O que realmente acabam por fazer dali a pouco, já com o testemunho dos outros dois amigos, Colline, o filósofo, e Schaunard, o músico.
A primeira das 47 vezes em que vi essa cena fiquei chocado. Como pode alguém ser tão desprendido?! Sabedor do trabalho que dá gastar horas debruçado sobre folhas de papel (ou sobre uma tela de computador, vá lá) para produzir algo de que se possa ter orgulho (ainda que eu seja o único a parecer sentir isso), morri de agonia enquanto Rodolfo e seus amigos jogavam folhas para cima e para dentro do forno. Mas, então, a revelação. É para isso que serve! Arte serve para nos aquecer. Não em sentido figurado, mas literal mesmo.
Ok. Forcei. A revelação foi outra. Uma ária de ópera respondeu à velha questão (para que servem a arte e as humanidades?) de forma infinitamente mais objetiva e precisa do que meu artigo aqui no Rascunho (Pra que serve a literatura?), por sua vez uma tentativa de diálogo com o blog do crítico literário norte-americano Stanley Fish, no The New York Times.
Resumindo: Fish, embora seja da área de Artes e Humanidades, concordava ser difícil convencer as fontes financiadoras a alocar dinheiro para essas áreas nas universidades do estado de Nova York, em detrimento de áreas como biologia ou saúde. Afinal, o que ganha o estado com mais uma interpretação de Hamlet? Ou um livro de poesia? Ou um de crítica cinematográfica? Ou, pior ainda, um de filosofia moral? Nada. Absolutamente nada, acreditamos Fish, eu e mais algum bocado de seus leitores. Mas um outro bocado ficou bravo (provavelmente professores e/ou alunos dessas áreas, diretamente atingidos pelo corte de financiamentos), alegando que as artes e humanidades engrandeciam as pessoas. Note bem que o “engrandeciam” tinha quase sempre uma conotação ética. Raramente estética. Algo de que Fish e eu duvidamos seriamente. Se filosofia, literatura e que tais fizessem dos homens seres melhores moralmente falando, os departamentos dessas disciplinas nas universidades não teriam pessoas ambiciosas, traidoras, cruéis, falsas, enfim, toda a lista de adjetivos que compõem a natureza humana. E todos sabemos que a quantidade é a mesma dos departamentos de medicina, direito e botânica.
A essa altura o leitor assíduo do Rascunho deve estar se perguntando: mas por que desenterrar esse assunto incômodo? Deixa quieto! Se alguns gostam de se iludir com a pretensa utilidade moral de uma obra d’arte, deixa quieto! Não dá. Pellegrini, o moralista, atacou de novo. Então me sinto na obrigação moral (!?) de contra-atacar. Eu até tinha me segurado quando li sua réplica Exigir ética é ser moralista?, na qual ele afirmava, entre outras coisas, que “a cultura nazista pregava a eliminação dos adversários”, como se nazismo fosse uma espécie de “cultura”, e não uma ideologia, e como se só eles pregassem a eliminação dos adversários, negando o fato objetivamente constatável de que qualquer adversário almeja a eliminação do outro (literal ou metaforicamente, na guerra ou no jogo). Ou ainda: “O leninismo pregava que os fins justificam os meios”, como se tal regra maquiavélica não fosse o mote da weberiana ética da responsabilidade, ou seja, mantra de todo e qualquer político, independentemente de seu viés ideológico. Ou mais ainda, quando no mesmo texto é capaz de dizer “prefiro acreditar que o certo é certo e o errado é errado”, e ao mesmo tempo confessar que assinou trabalhos escolares sem os ter feito.

Arte ética?
Pois não há de ver que ele voltou à carga, numa espécie de entrevista fictícia com o “mago” Paulo Coelho? Com o pretexto de comparar o atual fenômeno de vendas com outro escritor popular do século passado, Paulo Setúbal, hoje esquecido, Pellegrini elogia Paulo Coelho, desenterrando suas críticas a Machado de Assis (um “monstro ético”): “Na verdade, falei, no artigo [em que elogia Coelho] digo que você levou muita paulada por despeito e preconceito, de uma imprensa que (…) discrimina livros de auto-ajuda, enquanto também é cega para a carência ética na literatura, embora cobre ética dos políticos. (…) E os mesmos que não enxergam as monstruosidades de Machado, falei, malharam você por focar gente boa fazendo coisas boas e querendo melhorar”. Mais uma vez Pellegrini demonstra confundir ética com estética, pretendendo submeter os valores desta aos daquela.
Arte deve ser ética? Boa arte é a que tem uma mensagem moralmente enriquecedora? Para começo de conversa, admitindo-se o sentido positivo que a palavra ética tem (sim, porque ética pode ter um sentido absolutamente neutro, de relações intersubjetivas apenas) e admitindo-se ainda como sinônimo de moral (significarão coisas iguais ou diferentes, dependendo do autor), para eliminarmos de cara dois problemas que enfrenta alguém que exige que a arte seja ética, já nos deparamos com um terceiro, esse inevitável. Se uma determinada obra de arte tem de ser ética, o que é “ser ético”?
É submeter seu conteúdo ao filtro de um categórico universal do tipo “só será ético se puder ser transformado em lei universal”? Tudo bem, digamos que o cidadão escreva um livro em que ninguém mente, já que mentir não pode se transformar em lei universal. Mas a história se passa num país em guerra em que há um episódio em que um sujeito escondeu uma família de, digamos, judeus, no porão de sua casa. Chega a SS e pergunta onde estão. Daí o sujeito conta logo, pois ele não mente. Ok, esse filtro não serve.
Ser ético então é submeter o conteúdo ao filtro que diz que será ético aquilo que trouxer mais benefício ao maior número de pessoas? Então tá. Um outro livro, esse de ficção científica, conta uma historinha de uma civilização prestes a ser extinta, a não ser que sugue todos os recursos do planeta Terra. Com isso os humanos é que serão extintos. Acontece que o planeta deles tem duas vezes mais seres vivos do que o nosso. Pronto. Feitas as contas, está justificada nossa aniquilação. Bom, parece que esse filtro também não é satisfatório.
Apelemos para Aristóteles, Tomás de Aquino, MacIntyre e toda turma que bota fé na ética das virtudes. Façamos uma lista de algumas. Patriotismo, coragem, lealdade… Tá bom, essas três já serviram para Leni Riefenstahl fazer seu famoso filminho O triunfo da vontade, que certamente foi aplaudido pelos pellegrinis alemães da época.

Cacoete de filósofo
Os simpatizantes da tese por mim refutada podem me contestar alegando que estou sendo chato demais, questionando demais, enquanto poderia tentar ser mais simples e aceitar que, num dado momento, há algum consenso do que é “ser ético” e isso bastaria para “filtrar” as obras de arte e categorizá-las em boas ou ruins a partir deste filtro. Tudo bem. Peço desculpas por este cacoete desagradável de filósofo. Mas então peço passagem a outro cacoete, de pesquisador médico. Abundam as evidências em neurociências quanto à natureza absolutamente irracional de nossas decisões morais. Pra citar apenas um de inúmeros experimentos com resultados bizarros e contra-intuitivos, Baron & Thomley demonstraram que as pessoas são mais propensas a gentilezas em frente a uma padaria cheirosa do que a uma loja sem cheiro algum. Quando perguntadas por que haviam sido gentis elas nunca respondiam que havia sido por causa do bom humor causado pelo cheiro de cookies recém-saídos do forno. Afinal, elas não se davam conta disso. Apresentavam justificativas racionais que lhes pareciam lógicas (do tipo “porque é a coisa certa a fazer”).
Aqui, um espertinho poderia dizer: “Se um cheirinho bom influencia pessoas a serem éticas, então por que não um bom Paulo Coelho?”. Livros com mensagens edificantes (meu lado filósofo está doido para perguntar o que é “edificante”, mas deixa pra lá) poderiam então ser de fato melhores. Sim, poderiam, da mesma forma que não-edificantes também. Basta dar prazer ao leitor. Ora, o cheiro do cookie não tem conteúdo ético algum, apenas dá prazer. Por esta lógica então, se Os 120 dias de Sodoma, do Sade, der prazer estético ao leitor ele estará propenso a ser mais gentil, mais “ético”. Ou o quadro Saturno devorando um filho, do Goya, ou a peça Quartett, de Heiner Müller. Sim, citei obras “transgressoras” de propósito. Poderia ainda lembrar que o protagonista Rodolfo, da já citada ópera La Bohème, foi canalha com sua Mimi, abandonado-a a própria sorte por ciúme infundado, sendo assim co-responsável por sua morte ao final (morte essa necessária ao contexto de uma das árias mais belas já criadas). Poderia também, claro, citar Dom Casmurro, do “monstro ético” Machado de Assis. Bentinho precisava ser vigarista para que o Otelo de Machado fosse mil vezes melhor do que o de Shakespeare e tão bom quanto o de Arrigo Boito (autor do libreto para a ópera homônima de Verdi).
O que nos traz a Paulo Coelho. Já escrevi aqui mesmo no Rascunho que não sou daqueles que malham Coelho sem tê-lo lido. Dei duas chances: O alquimista e Brida. Tinha uma expectativa, completamente não preenchida. Pensava que ele seria uma espécie de Sidney Sheldon ou Scott Turow brasileiro, ou seja, um bom contador de histórias, sem grandes pretensões filosóficas. Pois é o exato oposto. Sendo que as pretensões filosóficas beiram o pueril. Não dá. Não consigo imaginar seus livros nem para “corrigir” alunos que assinam trabalhos sem fazer. São esteticamente muito ruins. Se são eticamente edificantes, vai depender se o freguês os estiver lendo na frente de uma padaria cheirosa.
O fato é que arte não serve para coisa alguma. Por um motivo simples. Não tem de servir. Ela será “boa” ou “ruim” a depender de critérios cognitivo-estéticos. Se, além disso, for “moralmente edificante”, será acidental. Se for proposital não será arte, será panfleto.
http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/articleend_body.png
É escritor, autor do livro de contos Epitáfio. Vive em Goiânia (GO).

http://rascunho.gazetadopovo.com.br/arte-nao-serve-pra-nada/


A minha mãe me pergunta: Que cara é essa?
É de quem não dormiu, mãe.
É de quem passou parte da noite pensando.
E tanto pensou que amanheceu o dia.
Faz parte.
Há dúvidas ainda e friozinho na barriga
(desses frios que dá quando a gente se apaixona pela primeiríssima vez, coração adolescente, no caminho que vai de casa à sala de aula, no pátio da escola).
Agora, nesta sexta, dia de trabalhos (muitos!)
Estrearemos OLHOS DE CAFÉ QUENTE
E cada metáfora descoberta,
Cada pequena ação/movimento
Ainda nos questionam,
Ainda perguntam dos porquês.
A alegria e a dúvida são uma dupla diuturna
Para quem se deixa escolher por este ofício de
Artista-Pesquisador.
Quando a criança de fato tiver nascido
Talvez possa voltar a dormir em paz.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Prefiro um “Eu amo tu” a um “Eu te amo”.
É que me parece melhor colocar o amor no meio ligando as pessoas envolvidas na matéria amor.
Já um “eu amo você” não tem a mesma força e beleza por que “você” é duas vezes o tamanho de “eu”, desproporcional.
Então, mesmo sabendo que o bom Português não me valida,
Posso dizer sem constrangimentos de falar certo:
“Eu amo tu, professorinha de Português!”


quarta-feira, 25 de março de 2015


Meu querido filho, que bom que você veio ao mundo, há exatos 11 anos, que bom que você existe, que felicidade para mim é a sua presença na minha vida, na minha história. Há os que crêem que cada criança nascida seja um alento de esperança, de alterações e melhorias do mundo por vir, pois toda criança que se presentifica não deixa de ser também um presente para o futuro.
Assim, torço para que você tenha toda a boa sorte, todas as bênçãos dos dias que hão de vir; que não lhe faltem nunca amigos de verdade e amores de verdade, porque disso também é feita a vida, de encontros felizes com pares que nos são inegociáveis. Apesar do mundo merda em que estamos submergidos, apesar dos golpes que por vezes esfacelam a nossa crença em dias melhores, apesar das dores e quedas que também nos chegam e nos capturam e nos trazem alguns pequenos e grandes sofrimentos, apesar de tudo, enfim, desejo que você seja forte, seja belo, seja pleno e intenso e inteiro nas suas descobertas. Que você, filho, meu Alighieri, que você nos mais possa seja feliz.