sábado, 11 de setembro de 2010

A VOLTA DE D'ARTAGNAN


Quando estava para transpassar a barreira dos 10 anos de idade,
Final dos 80, início dos 90,
Eu me descobria nas coisas que não sabia existirem
E me apaixonava cada vez mais pelo mundo vasto e cheio de mistérios e prazeres:
Amigos e conversa na calçada da noite,
Pintura e Histórias em Quadrinho,
Meninas e canções.
Não ainda conhecia Shakespeare,
Nem em Virgínia Woolf,
Nem Joyce ou Dostoievski.
Eu não era um prodígio,
Um desses caras que dizem ter lido
“A Comedia” de Alighieri aos cinco anos de idade.
Mas adorava poesia (Drummond e Quintana),
Queria desenhar que nem o Daniel Azulay e
Devorava Monteiro Lobato (primeiro a me fazer interessar por Mitologia Grega) ,
Robert Louis Stevenson e
Alexandre Dumas.
(Quem seria mais D'Artagnan que eu?!)
Músicas compuseram uma paisagem sonora de minha adolescência
E aqui vão duas delas que gosto muito.


http://www.youtube.com/watch?v=XkMNLSbf0tA
http://www.youtube.com/watch?v=vJyK8R-u2ek&feature=related

SOBRE FOTOGRAFIA



Terminei de ler nestes dias “A Câmara Clara”, derradeira obra do Roland Barthes, escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês. Imprescindível para quem gosta de fazer fotografias. Porém, mais que isso, imprescindível para quem gosta de pensar fotografia, ou cinema, ou teatro, uma vez que a obra trata, em essência, do poder da imagem, da possibilidades que ela guarda no que tange ao sensível e ao que a transcende.
Um livro puxa outro e este me fez lembrar de Susan Sontag e seu “Diante da Dor do Outro”, mais um sensível tratado sobre a fotografia (desta vez fotografias de guerra). Faz já algum tempo mas recordo de como eu me sentira tragado pela forma como a mulher escreve (foi o primeiro livro dela que li) e de quantos pensamentos extraia de fotos que, por sinal, nem estão no livro.
Uma lembrança puxa a outra, e termino por lembrar que no de Barthes há muitas fotos, diferente do da Sontag, nas quais ele se detém para tecer seus pensamentos, mas há uma fotografia em especial, bastante mencionada ao longo da obra: a imagem da mãe do autor, que propositalmente foi deixada de fora. Ele descreve a foto, mas a gente procura pra quê? Não está lá e isso acaba por ser um trunfo na escrita do sujeito.
Vale a pena conferir as duas obras, que além de tudo isso são também reflexões profundas sobre a vida e morte.
Maravilhosos!

PS.:

É só acessar e se deliciar:

Quem quiser pode também ir conhecer o site de dois sujeitos do mundo da fotografia, que gosto muito
O primeiro é o Steve McCurry:
http://www.stevemccurry.com/main.php

O outro é o Jan Saudek:
http://www.saudek.com

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O MAIS PESADO DOS PESOS


“E se um dia ou uma noite
um demônio se esgueirasse
em tua mais solitária solidão e dissesse:
‘Esta vida, assim como tu a vives agora
e como a viveste,
terás de vivê-la ainda uma vez
e ainda inúmeras vezes;
e não haverá nela nada de novo,
cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro
e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande
em tua vida há de te retornar,
e tudo na mesma ordem e seqüência
– e do mesmo modo esta aranha
e este luar entre as árvores,
e do mesmo modo este instante
e eu próprio.
A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez
– e tu com ela, poeirinha da poeira!’
– Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes
e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim?
Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias:
‘Tu és um deus, e nunca ouvi mais divino!’
Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti,
assim como és,
ele te transformaria e talvez te triturasse;
a pergunta, diante de tudo e de cada coisa:
‘Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?’
pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir!
Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo
e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última,
eterna confirmação e chancela?”

Nietzsche, Gaia Ciência, 341

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

SOLDADO



Vivesse sobre os escombros a felicidade fátua de purezas
E toda a realidade fosse a dissipação do querer
E só nossos pensamentos tornar-se o que se quer
Não haveria morte tão precoce tão pouco vida prematura
Nem o tempo seria nosso passar

Existe longe um brilho nos olhos do soldado que nenhuma guerra quis lutar
Um soldado sem armadura, sem escudo, um guerreiro mudo de tão pouco falar
Mas, entretanto, há sangue nesse guerreiro que tantos desejam sangrar
Há também em sua mão o gesto que desenha o espaço e o modela em gentilezas
Há, sobretudo, nesse soldado, uma tristeza
Não a sua, que essa é fácil desvendar!
Há a tristeza do comboio humano sem consciência
Há nesse soldado ausente de batalhas uma guerra toda dentro do peito
Há em si, o solitário da sua própria falta de jeito
Há nesse soldado respeito de nada pois não o tem para si
Há nesse soldado uma intensa vontade de viver

Um sonho
A saudade
Uma rua
Uma mata
Uma amada dissipada em acordes musicais

Há nesse soldado um rosto de duas partes como um planeta ao meio
Há nele o centeio do pão antes do forno
Há o suborno do passar
Há o maneiro peito de pelos ofegantes de ar trigo balançando ao vento
Há ungüentos em seu paladar e calafrios em seus cabelos
Há nesse soldado quase cavaleiro um cavalo imaginário impossível de montar
Há granito em seu olhar
Dimensões erradas em suas proporções
Há nesse soldado uma cor cinza de estátua
Há um abismo em cada passo desse soldado

Há quedas
Derrubadas
Insurreições
Ocupações
Derrocadas

Há nesse soldado sem guerra onde lutar
Si em si
E todos, de todos, quando a questão é lutar
Há nesse soldado sem gemidos de ferimentos
Ter acreditado em todas as batalhas.

Almir Rodrigues

NEBULOSA CARINA!



Perguntamos: Como se pode ser artista numa época em que tudo é arte? Se tudo é, como diferenciar o não ser? O sujeito coloca um penico de louça sobre uma mesa numa exposição, num museu, sob a luz de um abajur... e diz que é arte. O outro aparece na TV, no Big Brother, Sílvio Fausto Santos Silva, com o rosto barbeado de azul, diz duas ou três atrocidades numa telenovela ruim de amargar e é artista consagrado já. A moça mostra em público o púbis melado de rubra tinta e, novamente: arte.
Artefatos de plástico e fogos de artifício, a mim me parece que muitas das obras hoje (ditas) de arte misturam nada com nada para comunicar nada a ninguém. Exagero? Talvez. Mas não dá para ver Tarkovsky e não pensar que há algo de muito delicado ali, de verdadeiro, de pulsante, de decisivo e que não é fácil fazer acontecer o que na tela é mostrado. Há compressão de tempo, há dilatação de tempo, há vida. O poeta que grita impropérios no fim de “Nosthalgia”, não é apenas um idiota vociferante. É uma voz e uma fala que não dá para se ignorar. O homem caminhando com a vela acessa e trêmula, sacudida pelos ventos, enquanto tenta atravessar o canal, é mais que um capricho, é uma solicitação à sensibilidade de quem vê; é um convite à reflexão das nossas fragilidades.
Arte, penso hoje, são essas obras prenhes de indagações sobre o Ser, sobre a efemeridade da vida e sobre as fragilidades e grandezas de ser humano e viver num planetinha azul.
Ontem (02 de setembro de 2010) fui com o Anjo Barroco ver a exposição “NOVOS MUNDOS NOVOS”, no Espaço Banco Real, no Recife Antigo. Qual não foi minha surpresa, ao me deparar - última coisa a ser vista na exposição, se você segue a direção sugerida pela curadoria – com uma tela imensa onde se vê reproduzida a “Nebulosa de Carina”. Fantástico! Emocionante! Comovedor! Aquilo, sim, de fato, era chocante! Como o universo é imenso, sem limites, colorido e mutante! Como chega a ser aterrador se a gente pára, de verdade, pra pensar no que andamos a fazer com as nossas vidas! E como, meu Deus!, é lindo!
Lembrei que outro dia tinha visto uma frase num livro do Gadamer em que ele reelaborava uma antiga e tão atual indagação de Platão: “A Obra de Arte nos apresenta a nós mesmos: ‘Eis o que tu és!’ E nos questiona: ‘por isso é que precisas mudar a tua vida!” Ser artista, acho eu, tem muito disso: nos apresenta um universo e o nosso tamanho frente a ele. Às vezes grandes, às vezes pequenos, somos todos passageiros e o que conta no final é o que fazemos com o tempo que nos é dado viver. Sem assinatura, sem estardalhaço, a Nebulosa de Carina, sim, é uma grande obra de arte, por que nos apresenta de um tamanho ao mesmo tempo menor e maior do que somos. Depende de onde e por onde se olha e vê!

Veja a canção:
http://www.youtube.com/watch?v=YW4FR2Oz6VY

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

ESSA GALERA!


Esta semana estava com o anjo na rede, balançando manso, voando baixo, assistindo a um DVD sobre a vida e a obra do Chico Buarque... “Palavras”. Bonito, o documentário! Recomendo. Lá para as tantas o Chico fala do dia em que Sivuca trás para ele a melodia da “João e Maria” e pede para que ele coloque letra. É um momento muito bonito. E legal saber como se deu a inspiração do letrista.
Hoje pela manhã enquanto vinha para o trabalho acompanhado por Rita, começamos (ela e eu) a cantarolar canções outras (além de “João e Maria”) e de repente lembramos de “Vira Virou”, “Nuvem Passageira” e “Roda Viva”. Sabe aquele momento em que as coisas chatas, como estar dentro de um ônibus cheio, de manhã cedo, cede lugar para qualquer coisa de mágico (se quiserem chamar assim) ou poético (eu prefiro)? Pois foi isso. Ficou mais leve a manhã, menos feias as pessoas, mais claro o sol. E ficamos ali cantando Conde da Boa Vista a dentro, sem perceber que a vida, de fato, vira, gira, roda e canta.
É isso!

http://www.youtube.com/watch?v=qxYsHEGviiY

TODAS AS VIDAS


Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço... Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa, pedra de anil.
Sua coroa verde de São-caetano.

Vive dentro de mim a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda, desabusada,
sem preconceitos, de casca-grossa,
de chinelinha, e filharada.

Vive dentro de mim a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos, Seus vinte netos.

Vive dentro de mim a mulher da vida.
Minha irmãzinha... tão desprezada, tão murmurada...
Fingindo ser alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera das obscuras!

Cora Coralina