terça-feira, 29 de junho de 2010

LEMBRANÇAS DE QOELET


Ó, Maninha, Ò Maninha,
Se eu pudesse deixar para fazer tudo amanhã, deixaria.
Mas e se não houver amanhã,que faremos de hoje?
De tanto deixar para amanhã, morreu Maria de esperas.
Cada coisa tem seu tempo, diz Qoelet.
Mas todos os tempos se concretizam em um inadiável agora.
Quem vai à praia amanhã?
Quem, amanhã, viajará?
Quem deixará para, amanhã, viver?
Vive-se este instante e só ele de fato temos.
O antes dele é lembrança e o depois, conjecturas.
O passado já não é e o futuro, o futuro será talvez .
Projeções para o que se foi.
Projeções para o que há de vir.
Nem estas, nem aquelas, fazem um homem feliz.
O que faz a felicidade de uma pessoa é poder agir.
E não se age nem à frente e nem atrás das águas do instante em que se está.
Vamos hoje e deixemos para depois o que não for possivel ser já.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

ASAS


Abre a janela para olhar o mundo
E na noite azul-profundo
Acender tua candeia

Abre a janela para ouvir estrelas
E sem contá-las e nem tê-las
Sentir todas junto a ti

Abre a janela pra beber da chuva
Repentina água curta
Pé de vento em caracol

Abre a janela pra colher as cores
Para se tingir de flores
Pra abraçar o sol


Abre a tua porta pra sair pro mundo
Pra correr desnudo em chão mais fecundo
E deixar-se esquecer

Abre os teus olhos para regar a terra
Pra deserdar da própria guerra
Para, enfim, reflorescer

Sai de tua casa pra correr perigo
Pra descobrir novos abrigos
Em teu próprio coração

Abre tuas asas pra sair do ninho
E sentir bem de pertinho
A vida ser em tuas mãos

terça-feira, 22 de junho de 2010

A MÃE E O PÊSSEGO


“O pai reuniu a mulher, os dois filhos e comunicou:
"Perdi o emprego. A partir de amanhã, nossa vida será diferente. Para manter o essencial, teremos de cortar o supérfluo".

O filho mais moço perguntou o que era "supérfluo". O pai deu um exemplo: "Você gosta de pêssegos. Pois cortaremos os pêssegos. Sobremesa, agora, é goibada e pronto!"

O garoto ficou pensando que todos os dias comeria goiabada, e ele não gostava de goiabada. Para azar dele, era tempo dos pêssegos, aveludados, doces como mel.

Passou a primeira semana sem sobremesa. Preferia morrer a comer a goiabada que parecia eterna: quando acabava uma, logo aparecia outra. Até que um dia a mãe voltou da feira com o carrinho quase vazio. Mesmo assim, em lugar de destaque, por cima de todas as compras, lá estava a lata de goibada. O menino teve um engulho.

Mas, logo que o pai saiu para procurar emprego, a mãe chamou o guri. Para não despertar suspeita no filho mais velho, falou com autoridade: "Venha cá!". O menino pensou que fizera alguma coisa errada e que ia levar uma bronca. A mãe levou-o para o banheiro e fechou a porta.

Mostrou um enorme pêssego, vermelho e amarelo, a penugem aveludada, doce como o mel: "Olha o que eu trouxe para você!". O menino nem gostou do pêssego. Preferiu gostar mais daquela mãe.”

CARLOS HEITOR CONY

sábado, 19 de junho de 2010

TEMPESTADE E ÍMPETO

“Apaixonar-se é uma coisa boa”, dizia uma certa personagem, tempos atrás,
Por mim no palco representada, na época em que eu era ainda ator de teatro.
Passaram-se os anos e permaneço acreditando que seja essencial, sim, a paixão,
Apesar dos percalços que dela quase sempre advém.

Como viver sem paixão? Ou, melhor, sem paixões?
Sem ela viver seria mesmo viver?
Seja lá pelo que for o objeto de seu desejo
(Livros, lugares, música, cinema, doces, pessoas)
É preciso, acredito piamente, manter aceso
Esse sol que nos queima,
Essa chama que nos ilumina,
Essa vontade que nos possui,
Esse ímpeto que nos leva,
Esse apetite que nos devora,
Esse motor que nos desloca para frente,
Essa tempestade que nos convoca a viver com ímpeto.

É preciso não temê-la
(Ou mesmo temendo ir ao seu encontro, penso)
Pois que é a vida senão uma sucessão de trambolhões,
Quedas e voltar a ficar de pé,
Com alguns ferimentos leves e outros tantos mais profundos,
Mas válidos todos,
Todos caros,
Todos necessários?

Não se permitir,
Por medo,
Por dúvida,
Por incerteza,
Ficar ou estar apaixonado,
Não se deixar viver a paixão oportunizada
Com tudo o que ela tem de intenso, de forte,
De belo, de alegre, de prazeroso,
Não é só covardia com a outra pessoa,
Mas,
Pior!,
É covardia consigo próprio,
Pois que assim se deixa de crescer
Como ser vivente e humano,
Pois que há de mais amedrontador,
De duvidoso e
De incerto
Que a vida mesma?

Apaixonar-se com reservas seria ainda paixão, sabemos,
Mas uma paixão amordaçada de que servirá?
Para se sofrer apenas? Não sei.
Claro que na raiz da palavra “paixão” mora também
A dessa outra palavra menos querida,
Menos desejada, que é “padecimento”.
Mas há certamente
Para além da melancolia,
Delícias no estado de paixão
(E muitas! E tantas!),
Senão para quê nos apaixonaríamos?

Nela, como na vida,
Tem que se estar preparado para tudo,
Tem de se pagar a entrada e a saída,
Mas tem de se VIVER,
Tem de se LANÇAR DO ALTO,
Tendo-se uma vez nela ingressado.
Não dá para fugir, acho,
Não se deve fugir pelo menos.

Fugir gerará dúvidas
E o que pior do que as dúvidas não dirimidas
Quando são possíveis de elucidação?

Também não se pode contar com outras encarnações, acho eu,
Com outras chances para o amor,
Com oportunidades possíveis, mas distantes,
Mas não afiançadas,
Perdidas no denso e nebuloso porvir
(Quem garantirá que elas existirão de fato?!),
Pois que só se vive AGORA,
Só se pode contar,
Sem ilusões,
Ou com todas as ilusões imagináveis,
Com o HOJE.

Renata,
Uma menininha do passado que tem começado
De novo a emergir no meu cotidiano,
Tão amável, tão suave, tão dedicada a mim nesta última semana,
Me falou que de duas coisas não se pode fugir na existência:
Da morte
E das escolhas que se tem de fazer até que a morte nos bata à porta um dia.

Pois bem, se é assim, de fato,
Desmentindo a mim mesmo num outro momento,
Em outros escritos recentes
(Vivo a me desmentir, meu Deus!),
Direi que escolho
(E sempre escolherei)
Me apaixonar.
Eu preciso.
Senão por este trabalho, por outros mais auspiciosos,
Senão por esta mulher (que não pode ou não quer me seguir),
Por outras mais corajosas,
Menos indecisas,
Mais afoitas,
Menos confusas,
Mais inteiriças.

Por mais que possa soar anacrônico, romântico e,
Hoje, muito fora de propósito,
Digo que é preciso, sim, optar pela paixão
E se apaixonar deveras,
Desmedidamente,
Sem represas nem mordaças,
Por completo.

Sem paixão quem teria sido
Rembrandt, Nietzsche, Mozart, Shakespeare,
Esses outros seres alados que foram no âmago da existência humana,
Que se lançaram na temperatura máxima de suas paixões
E de lá retornaram com as almas e as obras impregnadas de
Entusiasmante sabor pela vida?
Ora, se os grandes escritores, os gênios da pintura,
Os compositores imortais, os filósofos do abismo não prescidiram dela,
Como nós outros poderíamos dispensá-la?
É preciso coragem, quem não sabe disso?
É necessário fé para se apostar tanto,
Mas é preciso apostar de qualquer modo,
Para depois não se ficar vagando em algum
Circulo sórdido do inferno de Dante,
Onde estão condenados os medrosos, os covardes,
Os que não ousaram,
Os que se recusaram viver.

Sem paixão eu sufoco,
Agonizo, Rastejo,
Empurro os dias com a barriga,
Fico preto-e-branco esmaecido,
Sem graça,
Apagado,
Moinho sem vento.

Eu que tenho tanto medo de morrer
Devo ainda por cima ter também medo de viver?
Acho que não.
Minha dor é minha dor,
Minha alegria é minha alegria, mas
Não temo viver nada do que me é dado viver
E não gostaria sinceramente de ter de abrir mão disso,
Pois isso é tudo o que posso angariar antes de partir.

Sim, eu assumo para mim meesmo
(E para queira saber):
Sou uma pessoa da estirpe e do sangue de Voltaire,
Que em algum lugar lá atrás deixou escrito em letras de fogo:

“As paixões são como ventanias que enfurnam as velas dos navios, fazendo-os navegar; outras vezes podem fazê-los naufragar, mas se não fossem elas, não haveriam viagens nem aventuras nem novas descobertas."

Também acho, caro amigo, também acho.
E não é possivel que só eu concorde com você!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

ANDA LUZIA

Depois que a ultima chuva
Chorou no serrado
Com suas agulhas de vidro bordado
Acordou vida nova no velho sobrado
Abriu-se janela pro abraço do sol

E o sol manhecente de terra molhada
Dourou as cortinas do quarto manchadas
Tingiu cord e mel a mulher no lençol

E Luiza sorriu
Pois era Primavera
E a noite silente
Se fora pra longe
Quem sabe quem dera
Quisera brotassem
Novos amores em seu coração

E luzia pudesse aquietar sua alma
E escrever no caderno a falta constante
E cantar saudades na hora mais calma
E esquecer o poeta nas mãos do gigante...

ANDA LUZIA CANSADA
DE TANTO CHORAR A DOR
SEU POETA-CENTAURO
SUMIDO, PERDIDO
NUM FOGO DE ARTILHARIA

SANGUE TRANSBORDA DAS NOTAS
QUE FEREM AS CORDAS DE SEU VIOLÃO
E A ESPANHA INTEIRA RECLAMA
"LUZIA, INFLAMA SUA INSSURREIÇÃO!"

A roda do tempo gira
E seus cabelos de branco fere
E a gira do tempo roda
Seu rosto em marcas de intempérie

Nunca mais se abriu janelas
Nunca mais se ouviu estrelas
Nunca mais bandeira
Adeus, adeus, mulher faceira
Seu sorriso era fogueira
No seio da escuridão
Um tição que reluzia
Dentro de meu coração

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A HÓSPEDE

Não precisas bater quando chegares.
Toma a chave de ferro que encontrares
Sobre o pilar, ao lado da cancela,
E abre com ela a porta baixa, antiga e silenciosa.
Entra.
Aí tens a poltrona, o livro, a rosa,
O cântaro de barro e o pão de trigo.
O cão amigo
Pousará nos teus joelhos a cabeça.
Deixa que a noite, vagarosa, desça.
Cheiram à relva e sol, na arca e nos quartos,
Os linhos fartos, e cheira a lar o azeite da candeia.
Dorme. Sonha. Desperta. Da colméia
Nasce a manhã de mel contra a janela.
Fecha a cancela e vai.
Há sol nos frutos dos pomares.
Não olhes para trás quando tomares
o caminho sonâmbulo que desce.
Caminha - e esquece.

Guilherme de Almeida (1890-1969)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

AO ANJO DO SÓTÃO, QUE BATEU ASAS E VOOU...

Amanheceu hoje um dia cheio de chuvas.
Daqueles que eu gosto, de parar a cidade.
Aproveitei e fui caminhar um pouco por aí,
Pelas ruas desertas da casa amarelinha,
Sem galochas ou guarda-chuvas
Para poder me molhar mais,
Pra sentir a vida úmida dos tempos de junho,
Assim bem juntinho a mim de novo.

E enquanto perambulava peguei você mais uma vez,
Anjo barroco, sobrevoando os meus pensamentos!
Lembrei do sábado último, naquele abraço derradeiro,
Já no finzinho de tudo, trêmula, no fiapo de coragem,
Debaixo do velho pé de manga, a me pedir perdão.

Perdão pelo quê mesmo?
O que há exatamente para ser perdoado, que eu não entendi?
Nada de nada, pelo que eu saiba.

Tudo o que sei e sinto,
É que é chegado o momento de você realmente partir agora.
Afinal, você tinha e continua tendo razão:
A gente tem de estar ao lado de quem a gente ama mesmo,
Isso se quem a gente ama quer também a gente por perto.
Não é assim que deve ser?
Não abra a mão de sua felicidade!
Você deve ir e fazer tudo o que acha que é certo ser feito,
Tudo o que acha ser justo, tudo o que sentir ser belo,
Tudo o que lhe parecer verdadeiro, bom e necessário.
Com inteireza, sem fragmentação, sem olhar para traz,
Sem remorsos ou amargura.

Vai, então, pode ir tranqüila.
Vai lá ver como o mundo é
Vasto
E amplo
E alto
E profundo
E cheio de mistérios!
Vai viver e correr riscos.
Vai descobrir coisas novas
(Uma pelo menos a cada dia!)
Sem tantos medos!

Vai sentir que a vida vale a pena, sim!
Vai espiar o que está no além das curvas,
Sem chefes, sem algemas,
Sem bussolas ou astrolábios,
Sem pára-quedas ou bandeid,
Sem esperar por mais nada ou ninguém.

Não esperar (você lembra?!) é tudo de bom que há
Numa alma que quer de verdade ser feliz.
A felicidade (lembra?),
Os pequenos momentos cintilantes,
São feitos da matéria do inusitado,
Quando a vida nos faz surpresa e nos presenteia.
É preciso sonhar, sim!
E sonhar é impreciso (como viver também o é)
E é por causa dessa imprecisão, dessa imponderabilidade,
Que a gente costuma chamar
A vida de aventura.

Não serei mais a sua companhia,
Por ora,
Nas boas e novas aventuras que hão de vir,
(Quem sabe de novo lá na frente qualquer dia?)
Mas você vai bem daqui pra frente, sem mim, tenho certeza.
Vai melhor do que imagina
Por que já pode ir sozinha,
Por que já é suficientemente forte
E livre e dona de seu nariz!

Guarde isso em seu coração,
Como um segredo valioso, moça:
Haverá instantes em que vou sonhar
O quanto seria bom tê-la ainda aqui comigo
Me acariciando como a chuva se derrama pelas ruas.
Perdurará por um tempo longo em minha memória
O desenho de seu rosto agridoce,
Numa noite fria,
Montada num cometa veloz
Na estrada de barro batido
Que leva a fazendas velhíssimas.
E assim, nesses dias de chuva, como hoje,
Sentirei de novo o quanto lhe sou agradecido por tudo.

Por agora, nestes primeiros instantes sem você,
Sinto muito a sua falta, é verdade,
Mas a dor da ausência passará, sabemos.
Depois que passar, depois que se puser,
Vou salvaguardar você em meu coração,
Junto a outras preciosas lembranças.
Prometo!

J. M. Barrie, o pai de Peter Pan,
Costumava dizer que o que fazia a gente voar
Era ter bons pensamentos.
Que bons pensamentos, então,
Lhe levem e lhe elevem para longe,
Para o alto, para onde o seu coração desejar ir.
Sem culpas, desculpas e, principalmente,
Sem lágrimas.
Porque tristeza é o que torna as asas pesadas.
E é por isso que anjos tristes não alçam vôo.

Beijos, beijos, beijos.
E, no mais que pode, sê feliz.


http://www.youtube.com/watch?v=VR0zLZEfPM0&NR=1

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Pensamentos vagos

Por estes dias, estou às voltas com um novo projeto teatral que não sei ainda o que será. Uma montagem nova com um grupo de estudos teatrais. Não queria exatamente pegar um texto pronto. Acho que um roteiro para criar pode surtir melhor efeito com o grupo. Uma coisa que tenho medo é o tal negócio de ir para casa decorar texto. Deve haver outra maneira de fazer essa construção! Vou propor algo neste caminho no proximo encontro com os adolescentes!

(Amanhã é Dia dos Namorados! Que dia, Deus meu!)

Que Saudades do Corção!

Ando a ler novamente o Gustavo Corção ("Lições de Abismo").
Que delicia de livro! Soberbo! Poesia em prosa! Um Proust brasileiro de primeira grandeza! Tão pouco conhecido, este homem! Que falta faz! Deveria ter escrito mais romances. Por que só este? Uma pena!

AMAR É PARA OS FORTES

Há que se ter o coração bem treinado
Para se amar alguém e,
Sem alarde nem lágrimas,
Vê-lo partir para nunca mais.
Treinar o coração para isso deve exigir
Décadas de esforço e labuta,
Uma vontade robusta,
Uma força leonina.
E nem sempre se consegue a contento.

Ver ir embora quem a gente ama,
Compreendendo que por definitivo
Não mais teremos a sua companhia,
Seu cheiro, sua melodia, sua textura, suas histórias,
E que “a vida é assim mesmo,
Que é que se há de fazer?!”,
Não é para qualquer um.
É para os que são de ferro.

Na maior parte das vezes o que fica é esse gosto
Meio amargo de que uma parte essencial
De nós se foi, partiu, se perdeu.
E o que por um bom tempo perdura
É esse nó na garganta,
Esse vazio nas mãos,
Esse abismo na alma.
E, Deus!, como dói!

De repente a gente se sente tão espremido por lembranças:
Pequenas coisas, sons, perfumes, lugares, cores, nomes, canções
Gritam uma presença que já não há, que já não temos.

Quisera eu não amar a mais ninguém de hoje em diante!
Ficar no meu canto e levar a vida
Sem precisar dos carinhos de quem quer que seja,
Não precisar que me segurem a mão
Nas noites de tempestade,
De ninguém para dizer que tudo ficará bem no final.
Como assim “bem no final”?!
Eu, que tenho sérios problemas com os finais,
Por medo ou deficiência, por falta de grandeza,
Que não vejo nenhuma dignidade nos fins, que direi?

Talvez, não sei, a melhor prova de amor a si mesmo
Seja não amar tão profundamente o outro,
Não ter apego a nada que seja vivo e que tenha vontade própria.
Assim amaríamos apenas os objetos, as coisas imperecíveis.

Às pessoas e aos animais,
A tudo o que morre, enfim,
Apenas nos limitaríamos a querer bem, a estimar, a ter apreço.
Mas não nos abandonaríamos no mundo alheio para o que desse e viesse,
Com planos e projetos duradouros,
Sofrendo com suas dores, chorando por suas angústias.
Estaríamos assim mais preparados para as despedidas? Quem sabe?
O que sei e sinto é que depois de tudo,
Depois de tudo ficam os fantasmas
A dizer que são efêmeras as alegrias,
A infernizar os sonhos e a realidade com lembranças.

E que são essas lembranças, agora tristes,
Senão a prova de que fomos felizes um dia, mas não mais hoje,
Não mais agora, não mais?
“Amar é sofrer”, dizem os sábios.
“O amor é para os fortes”, dizem os fracos.
Se o sofrimento traz alguma sabedoria, como dizem,
Que maldita equação devemos tirar desse estar só,
Dessa tristeza, dessa agonia?

Sofremos pelo vazio que permanece depois do adeus
Como ficamos escutando ecos de um grito
Tonitruante, estrepitoso, emitido há pouco,
Numa gruta.
E o que é a gruta senão a metáfora de um coração apertado?
Que é o grito senão a pessoa que se foi, o outro, em carne e osso,
Que ainda ontem beijamos, abraçamos e com quem fizemos amor,
E que hoje já não sabemos aonde e com quem está?
Que é o eco senão uma imagem que se repete,
Que se faz presente em milhares de situações diferentes,
Mas que a cada vez que aparece vai perdendo em cor e nitidez,
Que se enfraquece até a extinção das aparições recorrentes?
Claro, voltará vez ou outra, a imagem,
Mas não com tanta força como antes,
Porque “a vida segue adiante” e
Porque precisamos nós também seguir em frente.
O que fica depois do grito é o eco.
E o que fica depois do eco é
A sensação nítida de que houve ali um grito.
A diferença é que um grito não deixa marcas na caverna,
Enquanto que um amor ido deixa profundas inscrições
Em um coração que realmente amou,
Que se doou até o limite do irracional, que de fato quis bem,
Que cuidou e protegeu enquanto pôde.

Hoje eu só queria ter um coração de pedra,
Muralha impossível aos amores e às paixões.
Deixar-me ficar em meu canto, quieto, cuidando
Das coisas práticas e objetivas da existência.

Talvez isso signifique ser menos sábio, eu sei.
Não é um desejo inteligente de minha parte,
Mas significa sofrer menos também
(E já não há nisso alguma sapiência?!).
Talvez sim.
Amar devia implicar em não ser egoísta,
Agüentar de pé a partida do outro, a desistência do outro,
A escolha do outro,
Até mesmo o desejo do outro por outros,
Sem desmoronar,
Sem esmorecer,
Sem semblantes anoitecidos.

Por isso é que é coisa para os fortes.
Agüentar que o outro não mais nos quer, não mais nos precisa,
E ainda assim, tranquilamente, deixá-lo ir
Não é e nem será fácil para a maioria dos mortais.
Pensando assim, perguntamos: quando de fato amamos?
Ora, a partida do outro a mim sempre entristeceu.
Eu que desde pequenino, tenho
Escasso talento para as partidas e
Talento em excesso para a saudade, que faço?
Resta tentar aprender.
Senão agora, quando?


11 de junho de 2010

quinta-feira, 10 de junho de 2010