quinta-feira, 30 de abril de 2015

OLHOS DE CAFÉ QUENTE - entrevista para o SATISFEITA YOLANDA?

Como vocês compuseram a dramaturgia?
A dramaturgia foi sendo erguida por tentativa e erro na lida diária dos ensaios. A gente testava, como um brincoleur, os fragmentos , casando as vozes, fazendo a alquimia de duas escritoras (Carolina Maria de Jesus e Elisa Lucinda), que têm escritas completamente distintas. Como dar coesão de modo que fossem salvaguardadas as diferenças, fazendo ressaltar as semelhanças a ponto de que a performance da atriz tivesse coerência dramática.
Como foi dirigir poesia?
A poesia está na prosa das escritoras. É uma poesia em potencial, não se trata de poemas, fique claro. É antes uma contundente exposição de argumentos, de relatos sobre o que se vê, o que se vive no dia a dia, nas esperanças e solidões dessas mulheres. É uma poesia garimpada no prosaico da realidade.
Isso se falamos de poesia enquanto dizer, enquanto palavra.
Mas o espetáculo guarda outra poesia, super importante para nós, que é a poesia feita com o espaço e o tempo. Porque não são apenas as palavras que falam em OLHOS DE CAFÉ QUENTE. É também o silêncio, é o tempo, que diz quando a palavra não pode mais dizer. É a dor entalada no peito, o nó na garganta, a espera, os sonhos não realizados, os nossos mortos que carregamos, as pequenas percepções da vida e do mundo que de repente nos faz silenciar e ouvir este fundo sem fundo que é o  tempo passando (ou nós passando por ele).
Por que essa escolha?
Essa escolha, a principio foi feita pelas atrizes Márcia Cruz e Soraya Silva. Elas que me convidaram. Com o tempo fui me apaixonando também pela proposta inicial delas.
Quais suas influências para criar a cena?
Sabe,  não pensei nisso, em influências. Mas em fluências, sim. Em deixar a “música” soar. Como criar dinamismos, mudanças de atmosferas, instaurar sensações com o corpo, como afetar e deixar ser afetado. Uma leitura que me tem feito pensar muito e que devorei no processo de realização desse sonho foi “Ideograma: Lógica, Poesia, Linguagem”, do Haroldo de Campos.
Qual o tratamento interpretativo para falar sobre “ser mulher, de ser negra e de ser pobre no Brasil”?
Talvez alguns estudiosos das obras das autoras reclamem por não vê-las ali representadas. Não queremos representar ninguém, mas apresentar, ou seja, tornar presente uma força que se move, que dança, que se imobiliza, que toca o invisível da linguagem. Não esteve nunca em nosso foco de atenção representar as autoras, mas recriar as suas obras. Não é uma biografia histórica delas. É uma reinvenção das suas vivências. Isso sem panfletos, por que também não é muito a nossa levantar bandeiras, mas provocar, sacudir, pensar sobre as situações. Há momentos do espetáculo que são completamente criticáveis, até politicamente incorretos, que interessam pelo poder crítico que carregam. Não quer dizer que concordamos, mas quer dizer que são importantes como alavancas de reflexão.
Como é a direção de arte e técnica?
Uma opção estética foi pelo mínimo. Até mesmo porque não temos dinheiro e não fomos agraciados por nenhum edital público de fomento. Então apostamos no mínimo. Nenhum grande cenário. Luz e palco quase nu. E olha como é difícil porque não é simples mesmo chegar no simples. É bem complexo. Mas acredito que conseguimos coisas muito importantes aqui, inclusive porque não desistimos de criar este mundo, mesmo sem grana. É uma aposta alta no poder evocativo da palavra e no corpo movente.
O que você espera do público ao abordar episódios complexos e diria até, violentos?
O que espero é que possamos afetar as pessoas de alguma maneira, emocioná-las ao mostrar uma mulher sozinha em cena a conjecturar sobre o valor da arte e da vida, com os seus fantasmas. Que o espetáculo possa ser um espelho e olhando para a Soraya possamos nos enxergar um tantinho melhor. É bem pretensioso, mas sem pretensões como fazer teatro hoje?
Por que vocês vão ficar tão pouco tempo em temporada?
Uma questão é que muitos grupos disputam os espaços hoje em Recife. Outra questão é que a atriz deve voltar à Itália no fim do mês e não temos como segura-la aqui, a não ser que o espetáculo seja convocado para muitas outras apresentações, mesmo que em espaços alternativos (o que é possível porque tudo cabe dentro de uma mala). Não precisamos de muito para ir adiante. E ainda temos de pagar a muita gente que topou esta poesia junto conosco.

http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/2015/05/01/poesia-contra-preconceitos/

Nenhum comentário:

Postar um comentário