segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”

(Trecho de “Poema em Linha Reta”, de Fernando Pessoa)

Dos planos que hão de vingar em 2015.


1.       Encontrar novos espaços (internos e externos) de criação;
2.      Estrear “Olhos de Café Quente”;
3.      Dar continuidade ao “Le Petit”;
4.      Viajar à Praga, Lausanne, Firenze e Torino (onde Nietzsche teria perdido o juízo);
5.      Achar tempos para a delicadeza;
6.      Ler vários dos livros que estão à espera;
7.      Fazer um filme (doc. ou fic.);
8.     Escrever mais;
9.      Fotografar mais;
10.  Desenhar mais;
11.   Tentar o mestrado;
12.  Voltar com a banda;
13.  Comer melhor;
14.  Dormir melhor;
15.   Nadar mais;
16.  Dar mais risadas;
17.   Ouvir mais músicas;
18.  Ir mais vezes ao interior;
19.  Estar mais junto dos meus pais;
20. Agarrar mais meus filhos;
21.  Dar mais beijos;
22. Não dizer ‘sim’ a tudo o que me aparece;

23. Começar a desenvolver mais detalhadamente dois projetos sonhados: um espetáculo sobre uma fábula medieval e outro sobre a maldade humana.
“Será que a natureza da atividade de pensar, o hábito
de examinar, refletir sobre qualquer acontecimento,poderia
condicionar as pessoas a não fazer o mal? Estará entre
os atributos da atividade do pensar, em sua natureza
intrínseca, a possibilidade de evitar que se faça o mal? Ou
será que podemos detectar uma das expressões do mal, qual
seja, o mal banal como fruto do não exercício do pensar?”


Hannah Arendt

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Era uma vez eu e meus 06 anos de idade!
Minha irmã vestidinha de branco.
Eu também arrumado com a camisa xadrez azul
Prontos para entrar no taxi cor de jerimum de meu pai.
Minha mãe chamando lá longe.
A gente correndo na estrada.
Os grilos dizendo amém.
O pisca-pisca dos vagalumes lá longe
A escurecença do fim de tarde.
Poças d’água refletindo
Um Pôr de sol aguado e frio.
A alegria chegando mansa.
Nós prontos todos para o passeio.
A promessa de uma festa
Na casa de algum parente.
Uma vontade grande de alegria.
Felizes todos com tão pouco!

Com tão pouco éramos plenos.
- Fé! – me disse.
(E dizendo me abraçou)
- Não quero te ver só, nem triste.
(E abraçando me sorriu... um sorriso luminoso inteiro)
- Vai começar tudo novamente, né?!
- Sim, vai!
- Mais uma vez o ano novo. Mais uma vez o desejo de que tudo seja leve
belo e feliz no mundo. Mais uma vez crer no futuro apesar dos presentes.
- Sim, acredito – lhe disse. - Não por nada, mas somente por que você existe.
(E sorrindo lhe abracei um abraço sincero inteiro)
Por que você está aí, milagrosamente aí
E segura a minha mão com força quando as coisas ficam feias.
E canta qualquer coisa quando a vida silencia.
E por isso, só por isso, sei, amanhã será melhor.

Feliz 2015!

https://www.youtube.com/watch?v=kbzmmflKskQ


O presente

  “O que hoje recebes
  e não podes pegar, guardar
  em panos e papéis laminados,
  é imperecível,
  presente onipresente.
  Estás com ele na chuva
  e não temes que se desfaça.
  Estás com ele na multidão
  e não o escondes dos mutilados.
  O que não existe para os homens
  deles estará protegido,
  o que os homens não vêem
  não poderão espedaçar.
  Eis o que não te denuncia
  porque não tem face
  nem volume para ser jogado no mar.
  Eis o que é jovem a cada lembrança
  porque não tem data
  e série, para envelhecer.
  O que hoje recebes
  não pode ser devolvido.”


Alberto da Cunha Melo

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

“Fazer um filme consiste em acumular experiências e, ao mesmo tempo, em abandonar algumas. Isso deveria fazer SEMPRE parte da profissão de cineasta. Quais são as experiências constantes e imutáveis que nos ajudam a fazer melhor nosso trabalho de diretor, QUAIS SÃO AS EXPEDIÊNCIAS DE QUE PRECISAMOS NOS LIVRAR PARA ENCONTRAR ALGO NOVO? É preciso acumular, por um lado, e se livrar, por outro, MANTENDO UM CERTO VAZIO. É PRECISO ESTAR DIANTE DO DESCONHECIDO parta ter o desejo de filmar”.


Jia Zhangke
"O teatro é uma arte bonita e difícil. Exige que se recomece do quase nada a cada novo lance. É ofício de gladiador, trabalho pra sujeito forte. Mesmo que a arena seja a da absoluta delicadeza. Porque ou o artista está ali, na peleja, agarrando e fazendo luzir o pensamento na hora mesmo em que a cena acontece ou... perdeu, irmão. 
Nem uma cenografia bacana, nem uma luz bonita, nem um elenco que canta e sapateia, nada garante o teatro . Menos ainda "as melhores intenções". Pelo contrário, o palco tem ojeriza às almas virtuosas. Porque a cena viva é, antes de tudo isso, um lugar de embate e não necessariamente de expressão da virtude ou da autopiedade.
Por isso as dramaturgias íntimas, os teatros do eu, são enganosos. Traduzir o mundo nas bordas do umbigo não é tarefa fácil. Nesse caso ou você é um poeta "fudido" pela vida e muito sensível a ponto de ter aprendido que o entorno existe, que você não está sozinho, que tem mais gente no jogo; ou vai ver o palco se fechar em copas e dizer "não, amigo@,obrigado. Nos veremos na próxima".

Kill Abreu

sábado, 13 de dezembro de 2014

“A alfabetização visual proporcionaria não apenas ler melhor o livro, mas também valorizar a importância e beleza das letras, dos espaços em branco, das cores, da diagramação das páginas e a relação entre texto e imagem. Acentuando o livro como objeto de magia e descoberta, ele seria melhor incorporado ao cotidiano das crianças”.

RUI DE OLIVEIRA


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

“Como parecem insossos os estímulos do meio imediato em comparação com aqueles que, berrantes, continuamente cintilam na tela; como fica entediante a rotina de cada um diante de tudo aquilo de excitante que as mídias incessantemente veiculam. Os estímulos do ambiente do dia a dia não são páreo para a torrente de excitação midiática do espetacular; eles ficam abaixo do limite do que o aparato sensorial pode absorver, possuem um pobre aqui e agora, mas nenhum AÍ. (...) Cada imagem, cada som luta pelo seu próprio AÍ, de forma que imagens e sons se sucedem uns aos outros cada vez mais rápida e violentamente.”

Christoph Türcke

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

DAS PRIMAVERAS DESPERTAS



Quis escrever um poema em que coubessem todos vocês, cada rosto, cada olhar, cada sorriso, cada angústia contemplada, mas não posso. Seria um poema simples de poucas palavras, um haikai de sílabas escassas, suficientemente hábil para refletir a minha alegria, mais que isso, a minha felicidade, em ter presenciado o acontecimento de ontem no palco do Marco Camarotti. Mas não dá, haja vista a minha pouca habilidade com o minimalismo.
Por isso, peço de antemão desculpas por abusar do encadeamento de um sem numero de palavras, na tentativa de tocar os corações mais intranquilos.
Conheci certa vez um jardineiro desempregado que vivia de porta em porta oferecendo os seus préstimos em troca de alguns trocados. E mesmo quando lhe diziam não ter dinheiro e nem interesse em seus serviços, ele, vendo a decrepitude de alguns jardins, pedia que lhes dessem ao menos comida, mas que o deixassem mexer nas plantas de qualquer maneira.
E o homem ia com suas ferramentas e passava manhãs e tardes até que tivesse concluído a sua atividade, até que estivesse satisfeito. Olhando-o na laboriosa ação de restituir à vida as flores quase mortas, em livrar os canteiros das ervas daninhas, em transplantar daqui para ali as pequenas mudas, via algo fantástico acontecer (creiam!): é que ele, o jardineiro, na tarefa de jardinagem, se realizava jardineiro em plenitude. É como se tivesse para isso nascido, para um ato pleno numa tarefa de aparência trivial.
Ele voltava nos dias seguintes, nas semanas seguintes para ver se tinha valido à pena o empenho. E ficava esfuziante ao ver que algumas mudas tinham vingado.
Ontem à noite, ao sair do teatro para a rua, ao ir para casa descansar, depois de ver a Primavera de vocês, a história do jardineiro me veio de novo à mente. É que a nítida sensação de que vale à pena o plantio surpreende quando tantas coisas ruins, mal feitas, de mal gosto, impera no Teatro feito em Recife. Às vezes até bem intencionadas, mas quem disse que boas intenções fazem boas obras?
Saí do Camarotti com a certeza de que o Teatro é mesmo a mais potente forma de comunicação humana, sem disfarces, sem maquilagens, sem enfeites, sem truques, presentificando a experiência mágica que é (apesar dos obstáculos, apesar do medo, apesar da imensa responsabilidade, apesar das deficiências) a exultante alegria de erigir um jardim a muitas mãos.
Sim, é um exercício. Sim, vemos que alguns compraram a proposta mais que outros. Mas que felicidade em vê-los ali, todos, juntos, na mesma canção!
Agradecido por demais pela poesia viva, pela graça alcançada, por me ampliar a esfera do ser, por me fazer chorar e rir com vocês, meus colegas de trabalho, meus famintos jardineiros em botão. Grato pelos abraços, pelos sorrisos, pelo encanto, pela beleza, pelo crescimento. Grato pela honra de ter tido um dia com vocês o compartilhamento de  uma experiência tão delicada. Grato por estarem ainda ai, fortes, apesar das feridas.
Tão bom ver os corpos, as vozes, as movimentações.
Tão bom ver o trabalho, o suor, os olhares.
Tão bom sentir que algo de gostoso está se desenrolando, se expandindo, ganhando presença, ancorando o agora no passado e no futuro a um só tempo.
Tão bom algo assumido em processo, com todos os problemas não solucionados (que já é alguma solução).
É que a parede por rebocar tem lá a sua beleza. E os andaimes da construção guarda também a sua poesia.
E o jardineiro que espera o botão da flor da Primevera, apesar do Inverno, torce para que dê bons frutos o seu suor.
Que este exercício guarde em vocês um solo fértil!
Por que estamos todos muito, muito, muito precisados disso.


(Aos que fazem o Curso de Interpretação para Teatro do SESC Santo Amaro)

domingo, 7 de dezembro de 2014

Se acaso a minha obra envelhecer
E o meu olho de artista ficar cego
A ponto de não conseguir mais perceber
A beleza do feio, a feiúra do belo,
O grotesco do sublime, O piegas do sincero,
Quero, ao menos ouvir dos amigos
(espero!)
A impressão (mesmo inexata)
Da sensação que meu trabalho lhes causou.

Pois não se vai ao teatro como se entra no sarcófago
De Tutancâmon.
Vai-se ao teatro (ou ao cinema) para se ter uma experiência
Diferenciada do mundo, da vida, de tudo.
É triste um artista se achar genial,
Quando na verdade.
Passada a régua, finalizada a conta,
Faz obras que ficariam melhor
No período medieval.
Pois já nascem mortas, mofadas, enrijecidas,
Com pouco fôlego para fazer sonhar, pensar, tocar
A quem quer que seja.
Um mestre cozinheiro
Que perdeu a mão,
É preciso que saiba que a perdeu,
Para que talvez num esforço de entranhas
Possa se dar ao trabalho
De sair de seu lugar confortável
Para se redescobrir novamente (ia dizer, se reinventar)
Senhor da cozinha.




quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

“O tempo revela o charme das coisas sem charme. É por isso que o tempo é poeta. Só os poetas e pintores são capazes de conhecer de imediato o charme do presente. [...] Utrillo [1883-1955] pintava um poste ou um muro num subúrbio sórdido... e isso fazia sonhar. O que os poetas e pintores sabem traduzir no presente, o tempo o traduz para nós que não somos nem pintores nem poetas. É o tempo que é poeta para nós". 

JANKELEVITCH

"Estar em plena luz, na evidência, na presença total, quando as coisas estão imóveis no ar do meio-dia, é lá que o mistério é mais perturbador". 

JANKELEVITCH



“O que vive uma existência vegetativa apenas morre: muito tarde e muito lentamente. Quem vive sossegadamente e como que em estado de espera costuma se extinguir lentamente: é essa A SINA DA EXISTÊNCIA MÉDIA, de uma existência que transcorre a meio caminho entre o viver e o morrer, e que nunca está nem verdadeiramente viva nem verdadeiramente morta. Em compensação, o homem que vive intensamente morrerá apaixonadamente, às vezes heroicamente: é o destino das vidas breves, e é também o destino do herói cuja existência dramática é incessantemente ameaçada, incessantemente  reconquistada e finalmente perdida outra vez. Perdida para sempre!”

JANKELEVITCH


“Seja para amar, seja para brigar, seja para jogar malha, a condição prévia das condições prévias, em todos os casos, é existir. Se não se começa por isso, nada começará.”  

JANKELEVITCH



“O não-ser da morte resolve a fortiori e de uma só vez, da maneira mais radical e mais expeditiva, todos os compromissos de uma vida ativa, sem que seja necessário enumerar nem detalhar nem desmarcar os encontros um a um!”


JANKELEVITCH
“O verbo ser é o verbo fundamental, o mais geral e o mais determinado, o mais neutro e o mais vazio, o menos técnico por conseguinte, já que não requer nem esforço, nem aprendizado, nem especialização de nenhum tipo: porque para ser é só ser! A improvisação basta.”

JANKELEVITCH


“A lógica leva você de A a B.
A imaginação leva você a qualquer lugar”


A. Einstein

DA PROFISSÃO DO POETA

“Operário do canto, me apresento
sem marca ou cicatriz, limpas as mãos,
minha alma limpa, a face descoberta,
aberto o peito, e – expresso documento –
a palavra conforme o pensamento.
Fui chamado a cantar e para tanto
há um mar de som no búzio de meu canto.
Trabalho à noite e sem revezamentos.
Se há mais quem cante, cantaremos juntos;
Sem se tornar com isso menos pura,
A voz sobe uma oitava na mistura.
Não canto onde não seja a boca livre,
Onde não haja ouvidos limpos e almas
afeitas a escutar sem preconceito.”


Geir Campos