quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Pissoa

Não sei se tem voz, vez em quando, em vocês, meus amigos, um desespero de não saber ao certo aonde ir, o que de si fazer e se sentir, meio assim, alquebrado e só. Dá dó um sujeito amofinado, trancafiado no quarto escuro de sua própria existência. Calculo o pulo, meço o medo, o tamanho do abismo, me esquivo, não vou, não logo, um pouco depois. Mas há ocasiões em que ir um pouco depois já é ir tarde demais. Quem segurará a minha mão, se acaso eu escapulir do penhasco, ribanceira embaixo? Quem vai abrir meu pára-quedas no antes do baque? Quem sonhará que me viu ir, anjo solto e sem asas? Quem falará de nossos cheiros, beijos, e afeições? Quem escreverá poemas e comporá canções com o nosso rosto e gosto pela vida, mesmo ferida, mesmo tristinha, mesmo festinha, mesmo daninha, danada, sernonada? Ah!, Pessoa, Pessoinha, quem lembrará de nós depois que morrermos?

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Marina e Alberto




Principiou ontem, na unidade do Cais de Santa Rita, em Recife, a II Mostra SESC de Literatura Contemporânea. Tão bom, meu Deus!, encontrar a Colasanti, sábia sem amarguras, lúcida no seu olhar sobre a vida, o mundo, o tempo, a função do escritor, a efemeridade e a permanência das coisas e dos seres.
Tão bom sentir as marcas indeléveis que as palavras vão esculpindo na alma da gente, quando num susto alguém aparece voluntariosamente e recita um poema amado, composto por um poeta igualmente amado, mas já encantado dos calendários. Tão bom quando esse recitador, orador, bardo, põe alma no seu dizer e nos emociona, arrepios aos borbotões. Como nos presenteou ontem a viúva do Alberto da Cunha Melo.
A vida é ávida... mesmo!

O Presente

O que hoje recebes
e não podes pegar, guardar
em panos e papéis laminados,
é imperecível,
presente onipresente.
Estás com ele na chuva
e não temes que se desfaça.
Estás com ele na multidão
e não o escondes dos mutilados.
O que não existe para os homens
deles estará protegido,
o que os homens não vêem
não poderão espedaçar.
Eis o que não te denuncia
porque não tem face
nem volume para ser jogado no mar.
Eis o que é jovem a cada lembrança
porque não tem data
e série, para envelhecer.
O que hoje recebes
não pode ser devolvido.

Alberto da Cunha Melo

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Eu e Tu




Tu crês?
Não em Deus, pergunto, por causa que Deus é outra história,
Não cabe Ele aqui, existindo ou não, vivo ou morto,
Em poucas linhas mal traçadas minhas.
Pergunto se acreditas no diálogo sincero e aberto com o mundo...
É possível ainda?
Eu creio.
Nem sempre por meio de palavras, o mundo também proseia comigo, tem vez.
Ontem estava relendo o Buber.
E deu de novo aquela dita incontida vontade de voltar a escrever.
Mas os meus escritos, postos na internet, precisam de pessoas que os leiam,
Que os comentem,
Que interajam, que dialoguem com ele.
Eu falo, nomeio, escrevo, digo, versejo, quando posso.
Sempre à espera de que alguém venha,
De onde vier,
Confabular, bulir comigo.
Se este punhado de SOS
Alcançar-te, faz fé de me dizer
Qualquer coisa,
Qualquer palavra serve
Para a gente sentir que não está tão só.

http://www.danthesco.blogspot.com/

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Recuerdo Infantil

Una tarde parda y fría de invierno.
Los colegiales estudian.
Monotonía de lluvia tras los cristales Es la clase.
En un cartel se representa a Caín fugitivo, y muerto
Abel, junto a una mancha carmín.
Con timbre sonoro y hueco truena el maestro,
un anciano mal vestido, enjuto y seco, que lleva un libro en la mano.
Y todo un coro infantil va cantando la lecciòn: mil veces ciento, cien mil;
mil veces mil, un millòn.
Una tarde parda y fría de invierno. Los colegiales estudian. Monotonía de la lluvia en los cristales.
(Antônio Machado in "Cantares")

Veneza

Oh! Veneza suja
Desse meu país!
Escuta, Meretriz,
Este filho teu,
Que saiu de casa
Pra viver bem longe
E mesmo tão distante
Nunca te esqueceu

Como tens passado
Tuas noites quentes?
E o teu verão sem fim
Não te abrasou?
O mar que te arrebenta,
Como tu suportas?
E o lixo que te adorna,
Quem te enfeitou?

Nas águas do teu rio
Ainda existe vida?
Nas pontes que costuram
Os pedaços teus,
Nas ruas e avenidas
Cantarão os blocos,
Delirando sobre a terra
Onde se verteu

O sangue de teus filhos
Que tombaram cedo
Sem medo de lutar
Por belos ideais
Mas viraram temas
De canções antigas
Troças dos destroços
De outros carnavais

Eu compus poemas
Com de grande tristeza
Como um cristão lastima
Ter matado Deus
Mas no mais secreto
De seu coração
Desconfia em silêncio
De que não morreu...

... meu amor por ti Oh!
Veneza suja desse meu país Oh!
Veneza suja desse meu país Escuta,
Meretriz, Este filho teu
Que mesmo tão distante
Nunca te esqueceu