quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O Pássaro Pintado


“Às vezes passavam-se dias sem que Ludmila a Idiota aparecesse na floresta. Uma raiva silenciosa apossava-se de Lekh, que, murmurando de si para si, fixava longamente os pássaros nas gaiolas. Afinal, após demorados estudos, escolhia o passáro mais forte, amarrava-o ao pulso, e, misturando os mais variados ingredientes, preparava tintas fétidas de diferentes cores. Quando estas os satisfaziam, virava o pássaro e pintava-lhe as asas, a cabeça e o peito um tons brilhantes, até torná-lo mais colorido do que um buquê de flores silvestres.
Íamos então para a parte mais densa da floresta, Lekh me entregava o pássaro pintado, mandando que eu o apertasse de leve nas mãos. Cedo seus gritos atraíam companheiros da mesma espécie, que se punham a revoar sobre nossas cabeças. Vendo-os, o prisioneiro debatia-se gritando ainda mais, e o coraçãozinho, trancado no peito recém-pintado, batia violentamente.
Quando o número de pássaros era suficiente, Lekh fazia-me um sinal para soltar o prisioneiro. Livre e feliz, lançava-se para o alto, pequeno arco-íris contra o seu cinzento, mergulhando na revoada escura de seus irmãos. Por um instante a surpresa tolia os pássaros. A mancha colorida voava em meio ao bando, tentando convencê-los de que lhe pertencia. Mas, confundidos pela plumagem brilhante, os outros os rodeavam incrédulos e quanto mais o pássaro pintado tentava incorporar-se ao bando, mais o rejeitavam. Logo, um depois do outro, começavam a atacá-lo, arrancando-lhes as penas multicolores, até fazer-lhe perder as forças, precipitando-o ao chão.
Estes incidentes aconteciam com freqüênciam, e, geralmente, quando recolhíamos o passáro pintado já o encontrávamos morto. Lekh examinava atentamente as feridas. Por entre as asas coloridas o sangue gotejava diluindo a pintura e manchando-lhe as mãos.”


Jerzy Kosinski


“O poema é feito de ‘buracos’ no espaço e exige a participação do leitor. Muitas pessoas amam a poesia, poucas sabem lê-la, quer dizer, aproveitar-se do poema para fazer um exercício de criação e de liberdade. A leitura de um poema é um pouco o contrário da televisão, diante da qual se é completamente passivo, tal um ‘recipiente’, ao invés de aprender a fabricar imagens como se faz em situação de leitura”.

Paul-Marie Lapointe

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O Império dos Signos

“Mesmo sem considerar emblemático o jogo conhecido das caixas japonesas, alojadas uma na outra até o vazio, podemos já ver uma verdadeira meditação semântica no menor pacote japonês. Geométrico, rigorosamente desenhado e, no entanto, assinado em algum lugar por uma dobra ou um laço assimétricos, pelo cuidado, pela própria técnica de sua confecção, a combinação do papelão, da madeira, do papel, das fitas, ele já não é o acessório passageiro do objeto transportado, mas torna-se ele mesmo objeto: o invólucro, em si, é consagrado como coisa preciosa, embora gratuita; o pacote é um pensamento; (…). Assim, a caixa brinca de signo: como invólucro, écran, máscara, ela vale por aquilo que esconde, protege e contudo designa; (…) como se a função do pacote não fosse a de proteger no espaço, mas a de adiar no tempo; é no invólucro que parece investido o trabalho da confecção (do fazer), mas exatamente por isso o objeto perde algo de sua existência, torna-se miragem: de invólucro a invólucro, o significado foge, e, quando finalmente o temos (há sempre qualquer coisinha no pacote), ele parece insignificante, irrisório, vil: o prazer foi experimentado: o pacote não é vazio mas esvaziado: encontrar o objeto que está no pacote, ou o significado que está no signo, é jogá-lo fora: o que os japoneses transportam, com uma energia formigante, são afinal signos vazios. Pois há, no Japão, uma profusão daquilo que poderíamos chamar de instrumentos de transporte; eles são de toda espécie, de todas as formas, de todas as substâncias: pacotes, bolsos, bolsas, malas, panos (o fujo: lenço ou xale camponês com que se embrulha a coisa), todo cidadão tem, na rua, uma trouxa qualquer, um signo vazio, energicamente protegido, apressadamente transportado…”

ROLAND BARTHES