LEIBNITZ
Existem mil indícios que nos levam a julgar que temos, a cada momento,
uma infinidade de percepções, mas sem apercepção e sem reflexão – ou seja,
modificações na alma das quais não nos damos conta porque as impressões são ou
muito pequenas ou muito numerosas ou muito próximas, de modo que não se
consegue distingui-las senão parcialmente; apesar disso, não deixam de fazer
sentir os seus efeitos e de se fazer sentir ao menos confusamente em seu
conjunto.
Dessa
maneira, o hábito faz com que não prestemos atenção ao movimento de um moinho
ou a um jato de água, quando ficamos na sua vizinhança por algum tempo. Não é
que esse movimento não continue atingindo os nossos órgãos e que não aconteça
algo na alma que responde por eles, devido à harmonia da alma e do corpo; mas
essas impressões que estão na alma e no corpo, desprovidas da atração da
novidade, não são fortes o bastante para chamar a nossa atenção e a nossa
memória, atraídas por objetos mais interessantes.
De
fato, toda atenção exige memória e, muitas vezes, quando não somos avisados,
por assim dizer, para prestar atenção a alguma das nossas percepções presentes,
deixamo-las passar sem refletir e também sem notá-las; mas se alguém logo
depois nos avisa e nos faz reparar em algum ruído que se ouve, lembramo-nos
dele e damo-nos conta de tê-lo percebido um pouco antes. Assim, existiriam em
nós percepções das quais não nos apercebemos imediatamente, derivando a
apercepção apenas da advertência após um certo intervalo, por menor que ele
seja…
Nunca
se dorme tão profundamente que não se tenha alguma sensação – mesmo que fraca e
confusa – e nunca acordamos com o maior barulho do mundo se não tivéssemos a
percepção do início desse barulho, por menor que fosse, assim como nunca se
partiria uma corda com o maior esforço, se não fosse estendida e alongada ao
menos um pouco por meio de esforços mínimos, ainda que a pequena tensão que
estes provocam não se manifeste.
Essas
pequenas percepções, pelas suas consequências, são, portanto, de eficácia maior
do que se pensa. São elas que formam aquele não sei quê, aqueles gostos,
aquelas imagens das qualidades dos sentidos, claras no seu conjunto, mas
confusas nas suas partes, aquelas impressões que os corpos externos provocam em
nós e que encerram o infinito, aqueles vínculos que todo ser tem com todo o
resto do universo.
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