Trechos de "Fome"
"Durante todo o verão vagueei pelos cemitérios ou no Parque do
Castelo: aí me abancava e escrevia artigos para os jornais, colunas e
mais colunas, sobre as coisas mais diversas: invenções estranhas,
maluquices, fantasias de cérebro agitado. Em desepero, escolhia
frequentemente os assuntos menos atuais, que me custavam longas horas de
esforço e nunca eram aprovados. Acabado o artigo, atacava outro, e
raramente me desencorajava pelo "não" dos redatores-chefes, dizia sempre
a mim mesmo que acabaria vencendo. E, de fato, se estava de veia e o
artigo saía bem feito, acontecia-me receber cinco coroas pelo trabalho
de uma tarde."
"A idéia de Deus voltou a preocupar-me. Era
absolutamente injustificável de sua parte interpor-se toda vez que eu
procurava um emprego, e estragar tudo, quando minha aspiração se resumia
em ganhar o pão cotidiano. Eu observara muito bem que, se jejuasse
durante um período bastante longo, era como se os miolos me escorresem
suavemente do cérebro, esvaziando-o. A cabeça tornava-se leve, como que
ausente; já não lhe sentia o peso sobre os ombros, e, se olhava para
alguém, tinha a sensação de que meus olhos estavam fixos, arregalados.
Sentado no banco, e absorto nessas
reflexões, sentia-me cada vez mais azedo com relação a Deus, por causa
de suas insistentes provocações. Se ele supunha chamar-me para junto de
si e aperfeiçoar-me pelo martírio, acumulando mortificações em meu
caminho, estava um tanto enganado, podia garantir-lhe. levantei os olhos
para o Altíssimo, quase chorando de orgulho desafiador, e disse-lhe
essas coisas uma vez por todas, mentalmente."
Trechos de "Fome", de
Knut Hansum
(visitar o blog "Todos Nós Lemos": http://nos-todos-lemos.blogspot.com.br/2010/09/knut-hamsun-fome.html)
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