quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Trechos de "Fome"

"Durante todo o verão vagueei pelos cemitérios ou no Parque do Castelo: aí me abancava e escrevia artigos para os jornais, colunas e mais colunas, sobre as coisas mais diversas: invenções estranhas, maluquices, fantasias de cérebro agitado. Em desepero, escolhia frequentemente os assuntos menos atuais, que me custavam longas horas de esforço e nunca eram aprovados. Acabado o artigo, atacava outro, e raramente me desencorajava pelo "não" dos redatores-chefes, dizia sempre a mim mesmo que acabaria vencendo. E, de fato, se estava de veia e o artigo saía bem feito, acontecia-me receber cinco coroas pelo trabalho de uma tarde."

"A idéia de Deus voltou a preocupar-me. Era absolutamente injustificável de sua parte interpor-se toda vez que eu procurava um emprego, e estragar tudo, quando minha aspiração se resumia em ganhar o pão cotidiano. Eu observara muito bem que, se jejuasse durante um período bastante longo, era como se os miolos me escorresem suavemente do cérebro, esvaziando-o. A cabeça tornava-se leve, como que ausente; já não lhe sentia o peso sobre os ombros, e, se olhava para alguém, tinha a sensação de que meus olhos estavam fixos, arregalados.

Sentado no banco, e absorto nessas reflexões, sentia-me cada vez mais azedo com relação a Deus, por causa de suas insistentes provocações. Se ele supunha chamar-me para junto de si e aperfeiçoar-me pelo martírio, acumulando mortificações em meu caminho, estava um tanto enganado, podia garantir-lhe. levantei os olhos para o Altíssimo, quase chorando de orgulho desafiador, e disse-lhe essas coisas uma vez por todas, mentalmente."


Trechos de "Fome", de  Knut Hansum
(visitar o blog  "Todos Nós Lemos": http://nos-todos-lemos.blogspot.com.br/2010/09/knut-hamsun-fome.html)

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