quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Um exercício pode levar ao entendimento do que Heidegger planejou para escapar da condição moderna e deteriorada em que estaríamos vivendo. Por exemplo, olhe você para determinada paisagem na sua janela e comece a descrever o que vê. Perceba que cada coisa que enuncia – prédio, carro, árvore, cachorro – não indica uma experiência sua com o que é enunciado, por sua deliberação. Perceba que cada palavra enunciada já estava dada antes, criada e estabelecida junto de toda uma rede de outras palavras; ou seja, tudo que você aprendeu como sendo uma semântica e uma sintaxe que dão o norte, o rumo, o conteúdo e tudo o mais do que pode fazer ao falar do que fala. Todavia, a paisagem e tudo nela podem deixar de serem percebidos como nomes dados por você, e podem aparecer como efetivamente são. Isso tudo é o que a linguagem diz; e a linguagem é essa rede anterior a você. Essa experiência fenomenológica pode ocorrer, se você ouvir a linguagem. É ela, a linguagem, que fala, e não você que fala com ela. Nela, na linguagem, há a experiência originária – mas não é a sua experiência se você não a escuta. Não é a experiência autêntica se você, em vez de escutar a linguagem, escuta apenas a você mesmo falando. Efetivamente, a experiência fenomenológica mostra que caímos nela, na linguagem, e ela fala por nossa boca. Não enxergamos nada do que pensamos que estamos enumerando e falando em uma descrição, pois o que efetivamente ocorre é a linguagem falando. Então, o melhor é prestar atenção nela e, com sorte, ouviremos o que é – o ser que se manifesta em sua morada, a linguagem. Olhamos para a janela, mas não vemos o que a ciência diz que vemos e o que imaginamos que seria uma experiência. Vemos a luz? Não! Vemos uma coisa. Mas que coisa? A ciência diz que é a luz, por meio de ondas, atinge a coisa e, então, pega nossa retina – e assim vemos a coisa que está diante de nós e emitimos um som com o qual damos nome àquela coisa. É isso? Nada disso. Não vemos a luz ou ondas. E a coisa que vemos só se delimita, só ganha contorno, só recebe algum significado por já estar prenhe de significado na teia da linguagem, e de modo algum fomos nós os autores do significado. Em uma experiência autêntica, para além do que a ciência ensina que é a experiência, vemos coisas que são o que são por estarem se manifestando como som emitido pelas palavras da linguagem; ou seja, ela própria, a linguagem, usando nossa boca, nos fala e fala para todos – nela, em sua rede, há o significado e, então, o som se faz som, palavra. Temos a capacidade de ouvi-la? Essa capacidade de ver o fenômeno da linguagem, nessa dimensão profunda que escapa do modo moderno de conversar (este que implica no sujeito-objeto e na representação) foi o método Heidegger. Foi isso que, em boa medida, ele propôs como filosofia.

Paulo Ghiraldelli Jr. São Paulo.

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