"Certa vez, Joyce
olhou pela janela de seu apartamento e viu uma mulher no edifício ao
lado puxando a corrente de descarga da privada. Para ele, essa cena
aparentemente banal continha fortes implicações eróticas. Essa teria
sido uma das muitas epifanias profanas de Joyce. Richard Ellmann lembra
que um dos divertimentos favoritos do escritor era destruir velhas
coisas solenes. Num determinado momento, o escritor irlandês ficou
“contente por encontrar valor no que se esperava que ele condenasse como
comum e vulgar”. Era assim que ele reinventava o mundo.
Joyce
teria “encorajado” Leopold Bloom (Ulisses) – só para mencionar seu mais
célebre personagem – a infundir singularidade às coisas comuns. Como
afirma Ellmann, “Bloom difere dos dublinenses menos importantes porque
sua poesia interna é contínua, até nas situações menos promissoras”. Em
Joyce, não há mais uma prosa, um dizer narrativo típico, “mas sim um
feixe de forças, do tracejado que compõe sua própria ausência”, diz
Piero Eyben no prefácio de sua bela tradução das Epifanias.
Quando
lemos Joyce, precisamos voltar nossos olhos para o instante da
experiência que emerge graças a uma revelação interior abrupta. A
epifania seria justamente essa súbita manifestação, esteja ela na
vulgaridade da fala e do gesto ou em uma fase memorável da própria
mente. Aliás, para Hélène Cixous, a epifania seria o “descarrilamento da
consciência”. Joyce acreditava que cabia ao escritor “registrar essas
epifanias com extremo cuidado, vendo que elas próprias são os mais
delicados e evanescentes dos momentos”, como afirma Eyben. Sendo o maior
desafio dessas curtas narrativas aliar a velocidade inesperada à já
desgastada experiência do dia a dia.
Neste pequeno volume precioso, a tradução de Eyben leva a sério esse desafio."
Dirce Waltrick do Amarante
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