sábado, 19 de junho de 2010

TEMPESTADE E ÍMPETO

“Apaixonar-se é uma coisa boa”, dizia uma certa personagem, tempos atrás,
Por mim no palco representada, na época em que eu era ainda ator de teatro.
Passaram-se os anos e permaneço acreditando que seja essencial, sim, a paixão,
Apesar dos percalços que dela quase sempre advém.

Como viver sem paixão? Ou, melhor, sem paixões?
Sem ela viver seria mesmo viver?
Seja lá pelo que for o objeto de seu desejo
(Livros, lugares, música, cinema, doces, pessoas)
É preciso, acredito piamente, manter aceso
Esse sol que nos queima,
Essa chama que nos ilumina,
Essa vontade que nos possui,
Esse ímpeto que nos leva,
Esse apetite que nos devora,
Esse motor que nos desloca para frente,
Essa tempestade que nos convoca a viver com ímpeto.

É preciso não temê-la
(Ou mesmo temendo ir ao seu encontro, penso)
Pois que é a vida senão uma sucessão de trambolhões,
Quedas e voltar a ficar de pé,
Com alguns ferimentos leves e outros tantos mais profundos,
Mas válidos todos,
Todos caros,
Todos necessários?

Não se permitir,
Por medo,
Por dúvida,
Por incerteza,
Ficar ou estar apaixonado,
Não se deixar viver a paixão oportunizada
Com tudo o que ela tem de intenso, de forte,
De belo, de alegre, de prazeroso,
Não é só covardia com a outra pessoa,
Mas,
Pior!,
É covardia consigo próprio,
Pois que assim se deixa de crescer
Como ser vivente e humano,
Pois que há de mais amedrontador,
De duvidoso e
De incerto
Que a vida mesma?

Apaixonar-se com reservas seria ainda paixão, sabemos,
Mas uma paixão amordaçada de que servirá?
Para se sofrer apenas? Não sei.
Claro que na raiz da palavra “paixão” mora também
A dessa outra palavra menos querida,
Menos desejada, que é “padecimento”.
Mas há certamente
Para além da melancolia,
Delícias no estado de paixão
(E muitas! E tantas!),
Senão para quê nos apaixonaríamos?

Nela, como na vida,
Tem que se estar preparado para tudo,
Tem de se pagar a entrada e a saída,
Mas tem de se VIVER,
Tem de se LANÇAR DO ALTO,
Tendo-se uma vez nela ingressado.
Não dá para fugir, acho,
Não se deve fugir pelo menos.

Fugir gerará dúvidas
E o que pior do que as dúvidas não dirimidas
Quando são possíveis de elucidação?

Também não se pode contar com outras encarnações, acho eu,
Com outras chances para o amor,
Com oportunidades possíveis, mas distantes,
Mas não afiançadas,
Perdidas no denso e nebuloso porvir
(Quem garantirá que elas existirão de fato?!),
Pois que só se vive AGORA,
Só se pode contar,
Sem ilusões,
Ou com todas as ilusões imagináveis,
Com o HOJE.

Renata,
Uma menininha do passado que tem começado
De novo a emergir no meu cotidiano,
Tão amável, tão suave, tão dedicada a mim nesta última semana,
Me falou que de duas coisas não se pode fugir na existência:
Da morte
E das escolhas que se tem de fazer até que a morte nos bata à porta um dia.

Pois bem, se é assim, de fato,
Desmentindo a mim mesmo num outro momento,
Em outros escritos recentes
(Vivo a me desmentir, meu Deus!),
Direi que escolho
(E sempre escolherei)
Me apaixonar.
Eu preciso.
Senão por este trabalho, por outros mais auspiciosos,
Senão por esta mulher (que não pode ou não quer me seguir),
Por outras mais corajosas,
Menos indecisas,
Mais afoitas,
Menos confusas,
Mais inteiriças.

Por mais que possa soar anacrônico, romântico e,
Hoje, muito fora de propósito,
Digo que é preciso, sim, optar pela paixão
E se apaixonar deveras,
Desmedidamente,
Sem represas nem mordaças,
Por completo.

Sem paixão quem teria sido
Rembrandt, Nietzsche, Mozart, Shakespeare,
Esses outros seres alados que foram no âmago da existência humana,
Que se lançaram na temperatura máxima de suas paixões
E de lá retornaram com as almas e as obras impregnadas de
Entusiasmante sabor pela vida?
Ora, se os grandes escritores, os gênios da pintura,
Os compositores imortais, os filósofos do abismo não prescidiram dela,
Como nós outros poderíamos dispensá-la?
É preciso coragem, quem não sabe disso?
É necessário fé para se apostar tanto,
Mas é preciso apostar de qualquer modo,
Para depois não se ficar vagando em algum
Circulo sórdido do inferno de Dante,
Onde estão condenados os medrosos, os covardes,
Os que não ousaram,
Os que se recusaram viver.

Sem paixão eu sufoco,
Agonizo, Rastejo,
Empurro os dias com a barriga,
Fico preto-e-branco esmaecido,
Sem graça,
Apagado,
Moinho sem vento.

Eu que tenho tanto medo de morrer
Devo ainda por cima ter também medo de viver?
Acho que não.
Minha dor é minha dor,
Minha alegria é minha alegria, mas
Não temo viver nada do que me é dado viver
E não gostaria sinceramente de ter de abrir mão disso,
Pois isso é tudo o que posso angariar antes de partir.

Sim, eu assumo para mim meesmo
(E para queira saber):
Sou uma pessoa da estirpe e do sangue de Voltaire,
Que em algum lugar lá atrás deixou escrito em letras de fogo:

“As paixões são como ventanias que enfurnam as velas dos navios, fazendo-os navegar; outras vezes podem fazê-los naufragar, mas se não fossem elas, não haveriam viagens nem aventuras nem novas descobertas."

Também acho, caro amigo, também acho.
E não é possivel que só eu concorde com você!

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