terça-feira, 3 de agosto de 2010

PEDRAS PRECIOSAS




Sentou um dia o carrasco junto ao que ia morrer
Na noite anterior ao desígnio que o sol traria
E a lua cúmplice de morte, meio triste
Invadiu com sua luz roubada barras de ferro, projetou um mosaico
No pescoço ainda pertencente

Uma mão rápida, dura, segurou uma pedra lisa
E o braço e o antebraço num vai e vem
Fez a pedra brincar de amor com o machado
Deslizou a lâmina em carícias, amantes que conhecem os corpos
Como se a vida fosse um música cruel

– Parece um violino!

O verdugo ajeitou o capuz, molhado pelo esforço, suor
Emprestou a outra mão a pedra, um par, aumentou o atrito
Uma nuvem negra passou frente a lua
E faíscas saltaram como estrelas cadentes, contrastantes
Nascidas do movimento obsceno

– Uma safira!

Continuou a afiar o instrumento de trabalho
Mudo. Pesado. Suspenso.
Enorme réptil sentado nas patas traseiras
Como se o asco fosse a única atitude
Como se o cobre das guerras fosse a cor do mundo

Mas a noite era calma, a noite dormia
Seu ressonar um riacho de pequena água
Seu cheiro hortelã em névoa fria
Seus braços, cabelos de Vênus
Seu coração um grão de areia impossível aos olhos

Conferiu a lâmina deslizando o dedo sobre o fio
A carne se rompeu perdendo a virgindade
E uma lágrima de sangue escorreu pelo machado
Como se ele chorasse sua função
Como se lamentasse a não vontade própria

O condenado levantou a cabeça lentamente
E seus cabelos fizeram ninhos sobre os ombros
– É a vida!
Uma lágrima de rubi desceu pelo olho esquerdo
A nuvem negra passara a lua
A lua de adeus a nuvem negra

Intensificou o atrito da pedra ao machado!
– É a morte!
Como se quisera sufocar um pensamento repentino
Menino
Abraçou a arma

O condenado passou a falar de coisas simples
Falou da paixão, de montanhas, de mares
Contou Romeu e Julieta
O amor de Dante por Beatriz
De Gala por Dali

O atrito aumentou. Ensurdecedor.

Falou de marinheiros limpos, bonitos, barbeados
De mulheres carnudas, sorridentes
De crianças
De Deus como se o fosse
De rosas, de hortênsias, de petúnias

O atrito. O tempo.

Dois seres numa pequena cela
Uma cela se transformando
Um palácio
Um país
Um planeta
O universo

O tempo...

A lua não mais passava
Passeava a cela ao seu redor
Em sua órbita
Negando
Criando outra medida

O atrito não mais existia
Nem a pedra
Nem a lâmina
Só duas figuras
A contar histórias

Chegara a hora da execução!
O carrasco tira o capuz
Há um rosto lindo de mulher
Descansando em ombros perfeitos
E uma lágrima de rubi no olho direito

Ultrapassam a porta da cela
Não há público, não há patíbulo
Só um cavalo esculpido em terra
Ele o monta
Ela o puxa pelas rédeas

Quixote e Dulcinéia!

Na distância fica a cela
A porta aberta
Prendendo palavras pelo ar

A morte é uma conversa
Tudo é uma conversa.


Almir Rodrigues

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