quarta-feira, 28 de julho de 2010
A PESSOA É PARA O QUE NASCE?!
O meu pai que sempre foi um homem de estatura pequena, baixinho, de pouco mais de metro e meio, quis um dia ser carreteiro. E foi ser. Quando subia na sua Scania branca, um carro-tanque imenso de comprido, carregando álcool, melaço e açúcar pelo país a fora, quando se sentava naquela cadeira de motorista e punha as mãos na direção, virava de repente, passe de mágica, um gigante. Ficava irreconhecível. Dominava a máquina como se fossem um só, ela e ele. A face transbordava de satisfação. Lembro que eu tinha um orgulho danado dele ser o meu pai. Era bonito de vê-lo ali tão vivo, tão pleno, por que era ali que ele parecia encontrar o motivo primordial de sua existência. Ali ele se completava, ali estava inteiro.
Há coisas assim que parecem ter sido inventadas para a gente e que, ao mesmo tempo, a gente parece ter sido inventado para elas. É quando faz sentido estar lá, quando há alegria na feitura, na confecção, na urdidura, no trabalho; é quando a luta está longe de ser um castigo, quando vira prazer, quando excede o suor, quando o suor vira um prêmio, um gozo, uma alegria, um ápice, um símbolo de festejo, um regozijo. E o tempo passa a galopes e com ele passamos sem sentir, galopamos em seu dorso, viajamos submersos na aventura de fazer, sem ver que as horas escoam. Construir o próprio ser ao fazer concomitantemente uma determinada obra, ação, atividade, de coração tão inteiro, de alma tão presente, é tão prazeroso, acredito, quanto receber a obra. Tinha essa impressão quando eu era criança e abria um livro, qualquer livro, do Monteiro Lobato. De repente toda a turma do Pica-Pau Amarelo vinha se aconchegar em meu quarto, tarde da noite, altas horas. Tudo silenciava e o sono desaparecia só porque havia emoção aos montes nas páginas do paulista. Era desse jeito, curiosíssimo, apegado a cada ação descrita, escravo de cada riso e arrepio, que eu sentia o coração bater mais veloz e a vida valer mais a pena. Dimensionava o tamanho da felicidade que ele, Lobato, deve ter sentido ao escrever aquelas palavras pelo tamanho da minha em lê-las, em devorá-las horas a fio até quase amanhecer o dia, até tombar finalmente vencido pelo sono.
Quem está assim inebriado pelo prazer de construir alguma coisa, nos seus detalhes mínimos, da sua estrutura micro à sua grandeza macro, deve mesmo ficar em “estado de graça”, como diziam os antigos.
E porque não basta ser apaixonado, porque a paixão não deve servir só a quem a sente, é preciso ser também apaixonante, ser também cativante, ou seja, não basta ter uma candeia acesa, é preciso colocar fogo no lampião alheio, virar luz, incendiar. E tão simplesmente porque não se guarda uma coisa dessas só para si, não se esconde isso de ninguém, disso se faz archotes, se quer gritar aos ventos, se disseminar sementes.
A gente olha e vê e sabe que é verdade: “essa obra aí foi feita com amor, com cuidados, com paixão; essa obra aí tem alma, não está vendo?!” Penso isso quando vejo Aleijadinho, Michelângelo e Rodin; quando levo Proust comigo; quando leio Corção, Whitman e Woolf; quando ouço Piazzola, Bach, Morricone e Dylan; quando vejo Bergman, Mizoguchi, Tarkovski e Fellini. Há coisas lá que denunciam uma entrega sincera à paixão, à alegria de criar um ser que trilhará caminhos que não se saberia dizer quais, porque tem vida própria, vontade própria, desígnios próprios.
Há pessoas na vida, no nosso dia a dia, que a gente vê e sente que foram talhadas para determinado fim, para determinada atividade, feito conta aquele filme do Roberto Berliner (“A Pessoa É Para o Que Nasce”). Ver as obras dessas pessoas, mesmo que poucas ainda, já aponta para o que há de ser. No meu pouco entendimento, Lourenço, você nasceu para a escrita, para emocionar pela palavra. Não deve, portanto, temer escrever e escrever e escrever, porque escrever é onde sinto que você de fato É. Seja, portanto, você... sem receios... e escreva mais, escreva muito, escreva sempre. E toque de leve em todos nós e nos comova o quanto puder! Fique à vontade! Estamos todos muito precisados!
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Escreva mesmo Lourenço, que eu mesma me enchi de vontade de lê-lo. Belíssimo texto Qui. Este foi escrito com um enorme pedaço da alma... Xêros troianos.
ResponderExcluirHola quiercless, me agrada mucho ver tu blog, me gusta mucho la imagen que tiene aunque no entienda mucho el idioma.
ResponderExcluirbesos,
ludmila