terça-feira, 10 de agosto de 2010

NAUFRÁGIO IMPOSSÍVEL



Eis lá o sinal! Gritou o primeiro.
Ia à proa do barco, pela noite.
O braço largo, de mão de dedo aduaneiro
apontava uma estrela dançarina, brilhante.
De repente como formigas que carregam o alimento
pra amenizar a frieza do próximo inverno
uma multidão de marujos se juntou a bordo.

Não ajoelharam e nem rezaram
Barris de vinho foram abertos
E sob o céu de nuvens descoberto
De milhões de pontos coloridos
A aragem levou o aroma do vinho
Distante daquele barco pra terras distantes
E o balanço do casco balançou
Junto à embriaguez dos seus tripulantes.

Assim ficou por séculos à deriva no imenso mar.
Passou pelo mesmo porto milhares de vezes
e jamais a âncora o fundeou em baía rasa.

Correu rápido a sua fama e por todo canto
falava-se na embarcação dos embriagados
daqueles de rostos cavados que não comiam
que dormiam e estavam vivos.

O falatório aumentou e o tornaram amaldiçoado.
Uma enorme cruz vermelha foi pintada em sua quilha,
marca, desígnio e símbolo que era pestilento.
Sinal que se da terra se aproximasse
urgentemente dela deveria ser afastado.

E seguiu, mesmo assim, esse barco mudo de homens adormecidos.
Vagou como a alma má que pagará a desencarnação.
Era um fantasma durante a calmaria
no ranger enferrujado dos seus objetos de ferro.
Um leão feroz na tempestade
no rugido que as ondas lhe emprestavam ao casco.

E o tempo passou mais e mais.
Algas lhe abraçaram os mastros.
E o mar havia lavado o óleo
expondo à podridão a madeira que o punha a flutuar.

Ia desfazer-se!
Impossível suportar a ação do tempo!
Ser o jovem de nariz empertigado de outrora
cortando água pela frente
como a lâmina afiada rompe a carne
pra salvar a vida, pra matar uma e sobreviver.

Viria a última tempestade.
O céu enegrecera e o vento cantava.
O pivô de madeira sustentáculo da âncora
num solavanco, rompeu-se, mergulhou no oceano.

Era ali o seu cemitério.
Aumentavam as ondas e cada solavanco
como frenagem de coletivo em cidade grande
lançava ao mar um homem
imediatamente comido pelos peixes.

Assim foram todos.
Até que:
o último que estava para ir
o que avistara a estrela
a deusa
acordou.

Eis lá o sinal!
Uma onda bateu-lhe de frente
lavou a cruz vermelha.
As algas desapareceram
o casco refez-se.
E como formiga que leva o alimento
o convés recebeu uma multidão de marujos.

Não ajoelharam e nem rezaram.
Barris de vinho foram abertos.
... e o barco navega
sem porto
seguindo a estrela deusa.

Almir Nilson Rodrigues

Um comentário:

  1. Qui,

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