quinta-feira, 21 de novembro de 2013

CHRISTA WOLF , MEDEIA – VOZES


"Christa Wolf é uma das mais notáveis escritoras alemãs, cuja obra ultrapassa todo e qualquer limite geográfico e cultural na sua busca pela verdade. A sua produção literária acompanhou, bem de perto, o processo evolutivo da ex-RDA, concedendo ao indivíduo um papel central nas suas construções narrativas. Segundo Christa Wolf, a relação entre o indivíduo e a sociedade é quase sempre conflituosa e geradora de sofrimentos, sacrifícios e inquietações, sobretudo nas mulheres, que se têm submetido, ao longo dos séculos, aos valores masculinos.
Acreditando, pois, numa possível emancipação do género humano, a autora colocou as mulheres, devoradas por tormentos interiores, no centro dos seus romances. Assim, inseriu a personagem principal de Medeia – Vozes, caracterizada por uma forte densidade dramática, num período em que se subestimava o poder feminino oprimido pelo masculino e em que os reis escarneciam das rainhas.
Segundo teóricos como Margaret Atwood e David R. Slavitt, fala, também, em nome dos Turcos na Alemanha, dos descendentes Africanos na Europa e dos Judeus através de Medeia, ou seja, dá voz a todos os que foram caluniados, rejeitados e desprezados. (...)
A sua mensagem fá-la passar através da literatura a que associa o mito. Incapaz de resistir ao seu fascínio, caracteriza, ainda, a grande variedade de fontes e tradições históricas como estimulantes, excitantes e instrutivas. No caso de Medeia – Vozes, a autora, após diferentes interpretações do mito em questão (Medeia), rejeita, pura e simplesmente, a efabulação de Eurípides e a imagem de mãe infanticida que foi imposta à consciência ocidental, concedendo a Medeia a possibilidade de se afirmar como mulher e de revelar como foi vítima das necessidades e dos valores dos homens.
Por mais de dois mil anos, Medeia, uma das mais poderosas mulheres da mitologia grega, é acusada de vários crimes, tais como o fratricídio, o infanticídio e o envenenamento de Glauce, mas Christa Wolf vem negar que Medeia tenha cometido algum destes crimes. Apresentando-nos um mito que ficou na memória dos homens e demonstrando-nos a perenidade do mesmo no tempo, Wolf transforma este mito antigo e a sua personagem central na exploração contemporânea do poder.
A abordagem do mito, em Medeia – Vozes, é original e inovadora pelo facto de Medeia não cometer nenhum dos crimes de que Eurípides a acusa. Wolf apresenta Medeia como uma mulher que está na fronteira entre dois sistemas de valor, corporizados respectivamente pela sua terra natal, a Cólquida e pela terra para a qual foge, Corinto. Aqui, Medeia é abandonada pelo marido e as forças que estão no poder manifestam-se contra ela, chegando mesmo à perseguição. A autora, como defensora dos fracos e oprimidos, dá-nos, também, a imagem de Medeia e dos Colcos como emigrantes refugiados junto dos Coríntios de quem divergem física (cor da pele e do cabelo) e culturalmente."

 Ana Maria Vieira
Línguas e Literaturas Clássicas e Portuguesa







http://www3.uma.pt/Publicacoes/FORUMa/200207_A2N4/christa.html

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