Quis escrever um poema em que coubessem todos vocês, cada
rosto, cada olhar, cada sorriso, cada angústia contemplada, mas não posso. Seria
um poema simples de poucas palavras, um haikai de sílabas escassas, suficientemente
hábil para refletir a minha alegria, mais que isso, a minha felicidade, em ter presenciado
o acontecimento de ontem no palco do Marco Camarotti. Mas não dá, haja vista a
minha pouca habilidade com o minimalismo.
Por isso, peço de antemão desculpas por abusar do
encadeamento de um sem numero de palavras, na tentativa de tocar os corações
mais intranquilos.
Conheci certa vez um jardineiro desempregado que vivia de
porta em porta oferecendo os seus préstimos em troca de alguns trocados. E mesmo
quando lhe diziam não ter dinheiro e nem interesse em seus serviços, ele, vendo
a decrepitude de alguns jardins, pedia que
lhes dessem ao menos comida, mas que o deixassem mexer nas plantas de qualquer
maneira.
E o homem ia com suas ferramentas e passava manhãs e tardes
até que tivesse concluído a sua atividade, até que estivesse satisfeito. Olhando-o
na laboriosa ação de restituir à vida as flores quase mortas, em livrar os
canteiros das ervas daninhas, em transplantar daqui para ali as pequenas mudas,
via algo fantástico acontecer (creiam!): é que ele, o jardineiro, na tarefa de
jardinagem, se realizava jardineiro em plenitude. É como se tivesse para isso nascido,
para um ato pleno numa tarefa de aparência trivial.
Ele voltava nos dias seguintes, nas semanas seguintes para
ver se tinha valido à pena o empenho. E ficava esfuziante ao ver que algumas
mudas tinham vingado.
Ontem à noite, ao sair do teatro para a rua, ao ir para casa
descansar, depois de ver a Primavera de vocês, a história do jardineiro me veio
de novo à mente. É que a nítida sensação de que vale à pena o plantio surpreende
quando tantas coisas ruins, mal feitas, de mal gosto, impera no Teatro feito em
Recife. Às vezes até bem intencionadas, mas quem disse que boas intenções fazem
boas obras?
Saí do Camarotti com a certeza de que o Teatro é mesmo a
mais potente forma de comunicação humana, sem disfarces, sem maquilagens, sem
enfeites, sem truques, presentificando a experiência mágica que é (apesar dos
obstáculos, apesar do medo, apesar da imensa responsabilidade, apesar das
deficiências) a exultante alegria de erigir um jardim a muitas mãos.
Sim, é um exercício. Sim, vemos que alguns compraram a proposta
mais que outros. Mas que felicidade em vê-los ali, todos, juntos, na mesma
canção!
Agradecido por demais pela poesia viva, pela graça
alcançada, por me ampliar a esfera do ser, por me fazer chorar e rir com vocês,
meus colegas de trabalho, meus famintos jardineiros em botão. Grato pelos
abraços, pelos sorrisos, pelo encanto, pela beleza, pelo crescimento. Grato
pela honra de ter tido um dia com vocês o compartilhamento de uma experiência tão delicada. Grato por
estarem ainda ai, fortes, apesar das feridas.
Tão bom ver os corpos, as vozes, as movimentações.
Tão bom ver o trabalho, o suor, os olhares.
Tão bom sentir que algo de gostoso está se desenrolando, se
expandindo, ganhando presença, ancorando o agora no passado e no futuro a um só
tempo.
Tão bom algo assumido em processo, com todos os problemas
não solucionados (que já é alguma solução).
É que a parede por rebocar tem lá a sua beleza. E os
andaimes da construção guarda também a sua poesia.
E o jardineiro que espera o botão da flor da Primevera,
apesar do Inverno, torce para que dê bons frutos o seu suor.
Que este exercício guarde em vocês um solo fértil!
Por que estamos todos muito, muito, muito precisados disso.
(Aos que fazem o Curso de Interpretação para Teatro do SESC
Santo Amaro)
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