Vai, escreve aí algo de tua lavra, de tua cabeça, nascida de teus próprios pensamentos e considerações sobre tudo, desde as pequenas coisas ao incomensurável universo em que navega o planeta azul. Fala do que crês e do que gostarias de depositar fé, do que há de luz e de sombras em teu redor, fora de ti e nos abismos que te vai por dentro, teu coração. Erige assim uma obra sincera.
Se não lidas bem com as palavras, faz um filme (curto, médio ou longo, de animação ou documental, sisudo ou cheio de humor), esculpe, pinta, dança, canta, vive, mas expressa.
Se te dás bem com o manejo da palavra, pode ser, quem sabe, um poema, um conto, uma novela, uma crônica, um sermão, um tratado de metafísica... Não carece que seja algo politicamente correto, aceito por todos os bons lutadores engajados por um mundo melhor. Mas tem de ser, ou deve ser, ou pelo menos que seja (peço!), algo não apegado às formas de pensar já concebidas, já mastigadas, já vomitadas, que se retroalimentam e tornam tudo e todos um só pastiche, que nos aparenta a papagaios que vociferam as palavras e frases feitas dos outros, que repetimos sem termos com elas um comprometimento de força pensante.
Deve ser algo mais profundo que um “Que nada!”, pois que um “que nada!” nada diz, embora expresse a superfície de coisas sem profundidades em que tu põe a tua existência, mas nada dizem de realmente vivo. Te irrita, te proclama, te insurge (é um direito teu, como é da natureza do cão latir e do gato miar), mas te diferencia do patamar da natureza e diz mais e melhor que o cão e o gato. Te compromete, constrói argumentos (não para convencer ninguém de coisa nenhuma, mas para que possamos sentir que teu sangue habita as tuas falas).
Põe a tua alma (que palavrinha fora de moda, essa!) nas coisas, já que o corpo é perecível e um dia não estaremos mais presentes. Talvez a alma nas coisas possa perpetuar as coisas e a nós mesmos depois que nos formos. E a tua alma (leia-se: teu pensamento) talvez possa ser sentida por outras almas. Buliçosa, possa bulir com as outras e tirá-las da inércia. Quando tu não mais estiveres ainda serás necessário.
Fui um dia à Capela Sistina e lá vi que o Papa-Grana e os seus lacaios de prontidão tratam as pessoas como bichos em nome do que chamam de Sagrado. Eles não se humanizaram, os senhores do Vaticano, mesmo tendo à vista a obra de Miguel Ângelo, que levou quatro anos para conclui-la e não se deixou abater apesar da tarefa hercúlea. E permanece lá há séculos, a nos inquirir sobre o que fazemos com o tempo que nos é dado.
Sim, eu sei, isso se parece mais um Manifesto Romântico datado. Sim, pode ser. Mas sente que em cada palavra há fogo, força e um pouco de veneno. Espero ter te alcançado e, de alguma maneira, te inoculado um pouco disso que pode nos tirar da torpeza e da inestética que nos ronda.
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