quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Acontecer

“Uma estrela nasce a milhares de anos-luz da nossa Terra. Sabemos do seu surgimento muito tempo após esse rebentamento, que poderá, ou não, vir a ter influência nas estruturas, nos movimentos macro e microscópicos do nosso planeta, da nossa vida. Ao mesmo tempo, porque não, uma estrela já morta definhe à vista nua numa noite de Verão, um bebé nasce, rebenta uma guerra, é descoberto um fóssil que desestabiliza conceitos dados como certos da paleontologia, da história, porque não, até mesmo da religião. Alguém compõe uma sonata, ou uma sinfonia, cuja primeira nota de abertura nos enche, desde logo, com tamanha alegria, que milhares de fontes irrompem no escuro de uma sala. Um livro é escrito, torna-se um best-seller – mas permitam-nos sonhar, desta vez, com um livro que tenha tudo para não ser a maior venda e por magia, por acaso, se torna nisso – e todo o mundo fica igualmente rendido, um mundo mudo. Ou então, um homem atravessa uma rua, simplesmente isso, mas esse passeio normalíssimo, banal, rotineiro, modifica-o daí em diante... O que afinal aconteceu? E o que é isso, o Acontecimento? Tudo o que acima foi dito, entre tantos exemplos possíveis, trata-se de acontecimentos, ou experiências, ou, ainda, acasos? O que há de singular, de único num determinado evento que o torna a manifestação de um Acontecimento – melhor, mais do que manifestação, designação ou expressão, ser ele Acontecimento – e não de uma experiência? Ou, por outro lado, o que os aproxima, o que faz com que uma experiência se diga acontecimento, do acontecimento?”

Fernando Machado Silva
em “Poiética do Acontecimento: Deleuze e Serres"

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