domingo, 18 de julho de 2010

FOGO

Ir a Cuba faz a gente pensar coisas. Um dia desses lá estava eu tentando a todo custo chegar ao Museu da Revolução, sem saber aonde era o norte ou o sul. Vendo-me meio perdido, um senhor magro e sujo, cabelos grisalhos, na casa dos 60, que estava sentado numa escadaria, se ofereceu para me servir como guia. Muito solícito, me levou pelas velhas ruas de Santiago, com passo apressado e fala solta.
Quando chegamos me deixou na porta e disse que me esperaria para voltarmos juntos. Perguntei se não queria entrar comigo. Falou que não tinha dinheiro. Eu me ofereci para lhe pagar a entrada. Entramos, mas fomos barrados na recepção. É que o meu dinheiro não servia para pagar o ingresso dele. Há dois tipos de moedas: uma para turistas (CUCs) e outra para os moradores da ilha (pesos cubanos). Como ele não tinha o tal dinheiro, acabou por ficar me esperando para a volta.
A história de Cuba é uma boa história, cheia de sangue e paixão. Vale a pena tomar conhecimento dela, mas dói saber que o povo cubano não parece ir bem. Embora não tenha visto nenhum ato de barbárie, é bem verdade que não há nada que façam sem pedir alguma ajuda “financeira”. Soube, não sei se é lenda, que há mulheres que se vendem em troca de sabonetes ou outras ninharias. Por muito pouco, de qualquer maneira.
Isso me fez lembrar a época em que eu vendia cigarros, bombons, água de côco e refrigerante, em um fiteiro, no início da década de 90, a fim de pagar o meu primeiro curso de teatro na FUNDAJ. Num fim de tarde de inverno, enquanto corria contra o tempo, apareceu um homem também já velho, também sujo e fedido e me pediu uma caixa de fósforos. Eu, que já tinha guardado quase todas as coisas, tive que desarrumar tudo à procura dos fósforos, meio chateado e meio temeroso de que o dono do fiteiro viesse me reclamar a atenção.
Quando finalmente retirei do maço de fósforos uma caixa novinha e a entreguei ao homem, ele me sorriu amarelo e disse que não precisava de uma caixa com fósforos, mas apenas de uma caixa de fósforos enxuta, podia ser vazia. “É só para acender o meu fogo! Minha caixa molhou” E abriu a mão imensa para mostrar palitos na palma.
Lembrando desse episódio penso que em Cuba há muita gente assim, à espera, dependendo de caixas de fósforos vazias e enxutas para acender o fogareiro.

Um comentário:

  1. Isso, Qui. Os fósforos estão lá. Falta a caixa, apenas a caixa. Porque nem todos são vc e tem a humanidade de desfazer as arrumações que encontraram para seu mundo. Para uma ilha como Cuba, sobreviver em meio a um embargo enconômico, proibida de comerciar com outros, não deve ser fácil. Mas é mais fácil para os senhores do mundo dizer que a pobreza de Cuba se deve a Cuba. Beijão troiano.

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