“Era um dia de inverno luminoso e quente.
Latrão chegara a cavalo pela planície e se dirigia a uma fonte que um bosque
abrigava. Desceu da égua em que estava montado, lavou, na água corrente, as
mãos, os braços, a barba, os cabelos curtos, na direção da nascente da fonte.
Reerguendo o rosto, observou uma jovem ajoelhada diante da pedra, a vinte
passos dele, batendo ruidosamente as próprias roupas. De sua boca, saía um
hálito sensual. Com seu único olho, esforçou-se para ver, mais alto, o topo da
colina, mas não pôde impedir que seu olhar pousasse novamente sobre a jovem
mulher ajoelhada, de ancas largas, batendo com a palma das mãos as túnicas e as
togas. Ela aceitou acompanhá-lo em sua cabana. Sua cabana exalava o cheiro da
tília que ali fora amontoada outrora e tinha três cômodos. Ela recendia a
cinzas: havia ali escavado, no nível do chão, um braseiro que ele cobria com
uma prancha. Cheirou a mulher, e o odor dela o agradou. Ela quis sentar-se em
seu colo, de frente para ele, e sentir prazer erguendo as nádegas e sentando
sobre o pênis dele, alternadamente. Latrão teve entre oito e nove longos jatos
de esperma que lhe deram um prazer até então desconhecido. Arrebatado por esse
prazer, tentou lembrar-se do nome da mulher madura que o havia amado daquela
maneira quando ele saía da infância, mas não se lembrou. Pagou à jovem e a
interrogou sobre sua família. Ela era osca. Propôs que ficassem um tempo juntos
e combinaram um preço alto: um cavalo. Ela passava a maior parte do tempo no
quarto em que dormiam. Ele sentiu, pouco a pouco, à porta do quarto, um odor
diferente do normal. Era um bafio pesado e adocicado, e ele tinha ereções
imediatamente depois que o sentia. A transpiração dela exalava também um odor
ácido, que ele amava. Ela era mansa. Gostava dos jacintos, dos sininhos azuis
dos jacintos. Na segunda noite, Pórcio Latrão adormeceu junto às costas da
jovem; ela pôs o sexo dele entre suas nádegas, e ele teve a impressão de que a
solidão o havia abandonado. Disse para si que devia ser um sonho. Como ele não
se lembrava do nome da mulher mais velha que gozava como a jovem osca, tomou
consciência de que sua memória surpreendente o havia abandonado. Enquanto a
jovem dormia, ele olhava o bico dos seios dela no clarão da lâmpada, tocava-o e
o achava suave sob seus dedos. Sêneca reporta ainda duas palavras de Pórcio
Latrão: toda vez, depois do prazer, na grande sala do braseiro, ele se
aproximava do espelho fixado na parede de terra e dizia, olhando sua cicatriz,
seu olho morto, sua sobrancelha branca: “Por que me traem, lágrimas inoportunas
(d)?” Não se sabe o que ele entendia pela palavra “lágrimas”, mas é verdade que
ninguém sabe. Disse também ao seu amigo, em seus derradeiros dias: “Por que
falar? Quando os lábios se separam um do outro os dentes sentem tanto frio”.
Pórcio Latrão morreu no final do inverno, no ano 4 a.C. Tinha o sexo ainda
úmido e totalmente encolhido. Olhou-se no espelho de cobre. Viu seu olho, que
brilhava de felicidade. Cortou o pescoço com um golpe seco. O sangue esguichou
com um barulho de gorgolejo. A jovem osca fugiu com o cavalo e não foi
encontrada.”
Pascal Quignard
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