Ana Paula Sá
Era só uma garoa quando eu voltava pra casa depois da labuta, as ruas já desertas, e eu pensava quanto tempo se passou desde a última garoa que eu tomei por estas mesmas ruas, e avaliava a diferença entre a chuva no interior e a chuva na capital (meu pragmatismo sem fim).
Chuva no interior não abala o mundo, não instala o caos no trânsito, não traz a garantia do banho arremessado pelos pneus. Chuva no interior aumenta a solidão das ruas e a gente consegue ver as sombras brincando nas poças, de repente preenchendo os espaços, agora mais ocupados que antes. Chuva no interior traz essa felicidade suprema da água que cai milagrosamente dos céus, que lava o chão, os telhados, as árvores, que traz uma correnteza pelas ladeiras de poeira seca.
E enquanto eu jantava, a chuva virou temporal. A amiga ligou para dizer que não ia sair de casa para dar aula, porque tava difícil sair, e eu achei exagero. A criança gritou porque o guarda-chuvas caiu (pena que não guarda mesmo). Eu olhei pro poste e sorri. Torci para que não passasse mesmo e espantesse o político que insiste no comício farsesco (me permitam o termo). E ouvi que no sertão chove assim por estes dias. (Que maravilha!). E ouvi a ligação: "põe os baldes nas pingueiras para recolher água e lavar os cabelos", porque esta água é melhor. E eu que negava a dica materna de lavar os cabelos com água mineral, rejeitei o presente do botijão de água para este fim específico, por convicção humanitária diante do absurdo crime, acreditei na senhora a minha frente, feliz por novas águas para o cabelo, para a cabeça, para a alma.
Vim pelas ruas… (para casa) dois quarteirões apenas. Cabelos em bicas, calçados assobiando águas, casaco protegendo metade do corpo. Alma inundada. Alegria e prece, para que estas águas lavem os caminhos, as vidas, as esperanças. Levem as tristezas, mazelas, amarguras, disputas. Fortaleça nossos espíritos e encham as cachoeiras dos sertões, para que eu possa novamente me inundar nas suas águas, fortalecer meu espírito.
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