quinta-feira, 2 de junho de 2011

I

O nome não lhe direi. Não agora. Isso mataria de pronto o possível interesse que você venha a ter na minha narrativa e a história aqui é o que de verdade importa. Eu preciso de você atento para me acompanhar, preciso espantar o seu sono, tirá-lo da inércia, da solidão de seu umbigo, preciso lhe estapear um pouco no rosto, socar o seu estômago se for necessário, para que você acorde e me siga, como um cego segue atado a um cão-guia, que não é o seu, e que portanto não obedece a nenhum de seus comandos, pelas beiras dos abismos, por estradas lodacentas, cheias de perigos e expectativas, no meio da noite, na mata escura e virgem; vou levar você comigo por viagens de trem através da Europa, ou sob o sol dos trópicos, a cavalo, à pé, de bicicleta, empenhados, nós dois, na caça de um ser, sem o qual nada valeria à pena ser sofrido; e isso tudo para aprisioná-la um tempo me depois libertá-la e torná-la mais consciente dos riscos do caminho; ou melhor, tudo apenas para que, ao cabo, depois dos grilhões, ela possa vir a saber mais.
Estes labirintos de palavras, estas frases e linhas, uma a uma mal traçadas neste caderno sujo e bolorento, vão trazer você comigo. Essa é a minha esperança, o meu desejo. Sozinho não faço nada. Sem você a minha derrota é líquida e certa.
Talvez essa história, os lugares por onde andei, as pessoas que conheci, as mulheres por quem fui amado, os homens que vi na iminência da morte, possam surtir um efeito mais cativante em seus pensamentos, possam lhe enredar na minha trama. Por isso, se dissesse logo no principio por qual nome você me conhece, que graça teria o restante da história? Isso seria pôr o fim logo no princípio, pois que já estaria assim desvendado o enigma, já dadas as chaves. E é necessário, mantê-lo comigo o máximo de tempo possível antes que chegue a derradeira página, a ultima palavra, o ponto final. É mister alguns mistérios para que valha a pena o trajeto que iremos percorrer.
E, para arrematar tudo de uma vez por todas, que é afinal um nome?
Antes do nome, o homem. Antes do escritor, a pessoa. E uma pessoa é mais que um nome. Ou não é? Acho que sim. Pois se uma pessoa não passasse de um reles nome eu seria várias pessoas numa só e a um só tempo. Sozinho eu seria muitos.
E pensando bem, talvez sejamos mesmo, você e eu, multidões.

2 comentários:

  1. "Eu vou... por entre fotos e nomes... sem lenço, sem documento, nada no bolso ou não mãos, eu quero seguir vivendo, amor, eu vou... por que não?"

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