Quase uma ode em razão de um tempo perdido ganho em tempo grande de um grande amor.
Ou
O tigre que atravessou a ponte esqueceu o cordeiro e a ponte caiu. O tigre foi-se. O cordeiro permanece. O amor é estranho.
Quase cicratiza a ferida ferida empapada de açúcar mas, o tempo não quis!
Além desse doce interno que come e fatalmente não matará
Pois, fatalmente já é mortal
Cambaleia a cabeça que o corpo insepara.
Ratos Roem a Rolha do Remédio Ruim do Rei de Roma
e Falcão jogou muita bola.
O remédio ruim seria veneno
A rolha roída apenas migalhas.
O rato roeu a rolha e morreu
O rei bebeu o remédio ruim e curou-se
Nem o rei estava doente
Tampouco o rato era suicida.
Mas ratos e reis se parecem
Como se parecem os amantes com ratos e reis.
A vida perdeu a graça
Quando a graça perdeu graça.
Rói rato que quando rói
Rói o de fora e o de dentro
Rói rato que roer completo
É roer quase o pensamento.
Bebe rei o ruim remédio
Dantes fora e depois por dentro
Embeba-se remédio do interno rei
Como se o avesso fosse o centro.
Ah! Circunflexos voadores!
Que destapam letras.
Órfã ortografia que errar é humano
Voa, voa, em sua rigidez.
Quando chove uso chapeuzinho
Cubro letras com guarda-chuvas.
Almir Rodrigues
1998/2010
quarta-feira, 22 de junho de 2011
terça-feira, 21 de junho de 2011
Transição perene
Ai!
Percebendo que tudo sabia
o engodo da vida refloresce vívido.
Cada ato parece ocultar,
parece poder ocultar,
outrem,
de vários, de muitos
e não se esquece em você.
Seu outro, no travesseiro vizinho,
são seus olhos.
Percrustam,
os acúmulos estapafúrdios,
gordurosos
no corpo já balofo
- não redondo e circular.
E...
Desassossego do arfar, o peso,
o cansaço, a não vontade,
desmonta,
põe a um canto,
traz a sofreguidão.
Não são seus olhos,
seu outro, no travesseiro vizinho.
E...
Constante é a vigília
alerta em você
imberbe e dissimuladora.
Finge não existir o original,
que é, sempre foi,
lado a lado,
o eterno morto,
o não vivente,
só o desconhecimento,
de si em si.
Respira e se eleva,
a compreensão se ocupa!
Toda a divisão
no corpo único
vaza seus complementos.
Seu outro, no travesseiro vizinho,
não são seus olhos.
Agora, a distinta hora,
não mais trará o frescor,
pelo menos consigo.
O que nunca se reconheceu
sabendo estar vivo e
não vivente,
foi vencido pelo seu ir.
Seu outro deitado ao lado
olha-te com olhos
que nem dele são
nem olhos seus serão.
Não há mais tempo!
A brevidade eterna da vida
cumpriu-se. (em você).
Ninguém saberá que faltou o reconhecimento.
Ninguém saberá
amiúde
do reconhecimento.
Dei por 27/12/2009
Almir Rodrigues
Percebendo que tudo sabia
o engodo da vida refloresce vívido.
Cada ato parece ocultar,
parece poder ocultar,
outrem,
de vários, de muitos
e não se esquece em você.
Seu outro, no travesseiro vizinho,
são seus olhos.
Percrustam,
os acúmulos estapafúrdios,
gordurosos
no corpo já balofo
- não redondo e circular.
E...
Desassossego do arfar, o peso,
o cansaço, a não vontade,
desmonta,
põe a um canto,
traz a sofreguidão.
Não são seus olhos,
seu outro, no travesseiro vizinho.
E...
Constante é a vigília
alerta em você
imberbe e dissimuladora.
Finge não existir o original,
que é, sempre foi,
lado a lado,
o eterno morto,
o não vivente,
só o desconhecimento,
de si em si.
Respira e se eleva,
a compreensão se ocupa!
Toda a divisão
no corpo único
vaza seus complementos.
Seu outro, no travesseiro vizinho,
não são seus olhos.
Agora, a distinta hora,
não mais trará o frescor,
pelo menos consigo.
O que nunca se reconheceu
sabendo estar vivo e
não vivente,
foi vencido pelo seu ir.
Seu outro deitado ao lado
olha-te com olhos
que nem dele são
nem olhos seus serão.
Não há mais tempo!
A brevidade eterna da vida
cumpriu-se. (em você).
Ninguém saberá que faltou o reconhecimento.
Ninguém saberá
amiúde
do reconhecimento.
Dei por 27/12/2009
Almir Rodrigues
quinta-feira, 2 de junho de 2011
I
O nome não lhe direi. Não agora. Isso mataria de pronto o possível interesse que você venha a ter na minha narrativa e a história aqui é o que de verdade importa. Eu preciso de você atento para me acompanhar, preciso espantar o seu sono, tirá-lo da inércia, da solidão de seu umbigo, preciso lhe estapear um pouco no rosto, socar o seu estômago se for necessário, para que você acorde e me siga, como um cego segue atado a um cão-guia, que não é o seu, e que portanto não obedece a nenhum de seus comandos, pelas beiras dos abismos, por estradas lodacentas, cheias de perigos e expectativas, no meio da noite, na mata escura e virgem; vou levar você comigo por viagens de trem através da Europa, ou sob o sol dos trópicos, a cavalo, à pé, de bicicleta, empenhados, nós dois, na caça de um ser, sem o qual nada valeria à pena ser sofrido; e isso tudo para aprisioná-la um tempo me depois libertá-la e torná-la mais consciente dos riscos do caminho; ou melhor, tudo apenas para que, ao cabo, depois dos grilhões, ela possa vir a saber mais.
Estes labirintos de palavras, estas frases e linhas, uma a uma mal traçadas neste caderno sujo e bolorento, vão trazer você comigo. Essa é a minha esperança, o meu desejo. Sozinho não faço nada. Sem você a minha derrota é líquida e certa.
Talvez essa história, os lugares por onde andei, as pessoas que conheci, as mulheres por quem fui amado, os homens que vi na iminência da morte, possam surtir um efeito mais cativante em seus pensamentos, possam lhe enredar na minha trama. Por isso, se dissesse logo no principio por qual nome você me conhece, que graça teria o restante da história? Isso seria pôr o fim logo no princípio, pois que já estaria assim desvendado o enigma, já dadas as chaves. E é necessário, mantê-lo comigo o máximo de tempo possível antes que chegue a derradeira página, a ultima palavra, o ponto final. É mister alguns mistérios para que valha a pena o trajeto que iremos percorrer.
E, para arrematar tudo de uma vez por todas, que é afinal um nome?
Antes do nome, o homem. Antes do escritor, a pessoa. E uma pessoa é mais que um nome. Ou não é? Acho que sim. Pois se uma pessoa não passasse de um reles nome eu seria várias pessoas numa só e a um só tempo. Sozinho eu seria muitos.
E pensando bem, talvez sejamos mesmo, você e eu, multidões.
Estes labirintos de palavras, estas frases e linhas, uma a uma mal traçadas neste caderno sujo e bolorento, vão trazer você comigo. Essa é a minha esperança, o meu desejo. Sozinho não faço nada. Sem você a minha derrota é líquida e certa.
Talvez essa história, os lugares por onde andei, as pessoas que conheci, as mulheres por quem fui amado, os homens que vi na iminência da morte, possam surtir um efeito mais cativante em seus pensamentos, possam lhe enredar na minha trama. Por isso, se dissesse logo no principio por qual nome você me conhece, que graça teria o restante da história? Isso seria pôr o fim logo no princípio, pois que já estaria assim desvendado o enigma, já dadas as chaves. E é necessário, mantê-lo comigo o máximo de tempo possível antes que chegue a derradeira página, a ultima palavra, o ponto final. É mister alguns mistérios para que valha a pena o trajeto que iremos percorrer.
E, para arrematar tudo de uma vez por todas, que é afinal um nome?
Antes do nome, o homem. Antes do escritor, a pessoa. E uma pessoa é mais que um nome. Ou não é? Acho que sim. Pois se uma pessoa não passasse de um reles nome eu seria várias pessoas numa só e a um só tempo. Sozinho eu seria muitos.
E pensando bem, talvez sejamos mesmo, você e eu, multidões.
quarta-feira, 1 de junho de 2011
O HOMEM SEM QUALIDADES
"A criança é criativa porque é crescimento e se cria a si própria. É como um rei, porque impõe ao mundo as suas ideias, os seus sentimentos e as suas fantasias. Ignora o mundo do acaso, pré-elaborado, e constrói o seu próprio mundo de ideais. Tem uma sexualidade própria. Os adultos cometem um pecado bárbaro ao destruir a criatividade da criança pelo roubo do seu mundo, sufocando-a com um saber artificial e morto, e orientando-a no sentido de finalidades que lhe são estranhas. A criança é sem finalidade, cria brincando e crescendo suavemente; se não for perturbada pela violência, não aceita nada que não possa verdadeiramente assimilar; todo o objecto em que toca vive, a criança é cosmos, mundo, vê as últimas coisas, o absoluto, ainda que não saiba dar-lhes expressão: mas mata-se a criança ensinando-a a ater-se a finalidades e agrilhoando-a a uma rotina vulgar a que, hipocritamente, se chama realidade."
Robert Musil, em "O Homem sem Qualidades"
Robert Musil, em "O Homem sem Qualidades"
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