segunda-feira, 4 de abril de 2011
Da Ontológica Voragem
Não lembro de um dia sequer em que eu tenha desejado muito na vida ser ator. Quando fiz o meu primeiro curso de formação mais vertical, há duas décadas, percebi que havia colegas de sobra querendo subir ao palco, ficar sob os refletores, ter o nome no jornal, coisas desse tipo... e isso muitas vezes me roubava a paciência. Para mim, mais importante era entender o que era “fazer teatro”, qual a necessidade que se tinha de se produzir algo tão efêmero e tão cheio de dores de cabeça. E qual a necessidade tem uma pessoa de sair de casa, à noite, para “ver teatro”. O que tinha aquilo tudo de mágico e sedutor? Algumas criações me pegavam mais que outras. Algumas me exasperavam (de tão ruins!) mais que outras... e quase nunca eu me achava satisfeito: nem com o que fazia, nem com o que assistia. Um amigo meu, na época, dizia: “Deus do Céu, como tu é muito chato!”. E sou.
Eu ficava sempre de lado, tentando entender aquele troço todo, o “como” se fazia, que ideias, que surpresas, as idas e vindas, as angústias da criação, a alegria das descobertas. Sabia que sabia pouco. E que era preciso saber mais, fuçar mais, garimpar mais fundo, estudar mais, ler mais, ver mais filmes, e mais peças, e mais Arte Pictórica e mais Música. Minha ignorancia do mundo eu devia à formação escolar, que se deu 100% em escola pública (depois eu descobri que não, tem muita gente com escola decente, que também é ignorante pra caramba)e lá nunca se falava sobre coisas, fatos, pessoas (poetas, dramaturgos, cineastas, pintores, romancistas), movimentos, que ainda hoje me parecem essenciais. A escola não ensinava a pensar. E quando fui parar no teatro pra valer, o não-saber me cobrou juros altos.
Anos mais tarde, quando finalmente me vi com algumas possibilidades de vir a trabalhar como ator, me dispus a sê-lo com os que considerava os “melhores diretores da cidade”. E estive presente em espetáculos para crianças, para jovens, para adultos, dublando bonecos, recitando poesia, fazendo “leituras dramatizadas”, substituindo colegas em produções de qualidade duvidosa, mas quase nada, muito pouco, me deixava feliz.
Uma vez confidenciei a um colega de trabalho que achava teatro (Arte em geral) um troço muito ligado à Filosofia. Fui rechaçado. “Arte é Arte”, me disse. “Filosofia é filosofia”. Engraçado eu não depositar muita fé neste tipo de afirmativa, uma vez que eu tinha tendência a acreditar em muita gente mais velha que eu, com experiência mais larga no fazer artístico.
Mas, se isso fosse verdade, que arte não tem nada a ver com filosofia, porque existia Fellini? E Mizogushi? E Tarkovsky? E Rodin? E Rilke? E Woolf? E Mann? E Broch? E Musil? No dia em que assisti pela primeira vez um filme de Bergman (“O Sétimo Selo), quase não dormi. Começava a entender que arte pode não ser só entretenimento (nada contra o entretenimento), que podia ser algo mais denso, mais forte, mais enigmático. Acho que foi por ai que comecei a me interessar por dirigir espetáculos e, aos pouco, fui deixando esmaecer a ideia de ser ator.
Cada dia mais apaixonado pela Filosofia, pelo Mítico, pelo Místico, pelo Simbólico, pelo Numinoso, pelo indizível, me vejo às vezes na iminência de enlouquecer. “Por que não deixa então o teatro e vai se danar a escrever tratados de Metafísica?”, podem perguntar. É que a minha forma de dar vazão ao que acredito, ao que considero essencial, é fazer com que a Filosofia possa habitar o meu campo de trabalho predileto; escrevo metafísica no campo nu do palco. Por isso não posso dissociá-los naquilo que faço, por que é imperidoso para mim fazer assim e faço com todo o meu ser... e só dessa forma me sinto (um pouco) realizado. Não é para dar conselhos a ninguém, não é para passar “mensagem” nenhuma. Não é para achar que essa é a melhor maneira, que ela dilacera com as demais. É apenas para tentar compreender melhor a época em que vivemos e quem somos em meio a isso tudo. É o meu jeito de escrever e pensar as coisas todas. Só isso. E isso é tudo.
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Filosofia está em tudo e não poderia deixar de estar no teatro. Mas, meu caro Qui, acho que está faltando a vc um pouco mais de leveza com a vida. Que a aprendizagem não seja peso e cobrança, mas um prazer... e que o teatro tb possa ser uma brincadeira mágica e maravilhosa. Aprender é muito bom! Mas viver é ainda melhor. E viver aprendendo, sempre,isso é tudo!!!
ResponderExcluirE não se preocupe porque não pôde descer ontem pra falar conosco no teatro. Depois a gente marca pra tomar um vinho e conversar sobre Voragem. Xêros
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