quinta-feira, 28 de abril de 2011

FLORBELA, BELA FLOR

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!


É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

Calendarios

Estão correndo os dias e as noites. O cromo despenca seus frutos, folha por folha, a cada manhã. Calendários voam da parede e outro logo se estabelece para de novo dar lugar a outro e outro e outro, numa via e volta sem fim. O relógio não pára do avanço e notícias boas não fazem a compra do jornal. Olho para os meus filhos, miúdos ainda para compreender, e penso no que serão deles nos anos que estão por vir. E os filhos dos filhos deles?
Luto para manter um sorriso e cantar uma canção mais alegre, mas tem dias que não dá, meu Deus!
Não quero parecer tão triste ou mais triste do que sou, Aninha. Mas que posso fazer se assim é? Tem dias que a gente acredita na melhora das coisas, quer ser otimista, quer ser zen, quer achar graça nas coisas todas, por fé no porvir, uma Ana Maria Braga da vida, mas há dias em que tudo, tudo, tudo parece mesmo distante de fim feliz, se é que fim feliz há.
Espio os meus pais ainda vivos, mas já velhos, já cansados. Até onde durarão junto a mim? Minha mãe côa um café cheiroso e quente e, sempre que estou nas cercanias, me convida para um lanche de entardecer em sua mesa: café, tapioca, pão e queijo. Até onde brindaremos o convívio?
Na ultima sexta-feira santa morreu a mãe de uma amiga para as bandas do Ceará. A mãe de outro está em vias de se ir em Recife mesmo. E um amigo acaba de me confessar de que há possibilidades de câncer de pele nele habitar. Isso sem falar nas atrocidades dos quase anônimos que vemos na TV. Não faz muito um doido aí andou a matar adolescentes numa escola no Rio.
Sei, sei... dirão que este meu blog é de muita tristeza só. Vocês têm o direito de nem lê-lo, dele se desligar e ir atrás das festinhas. Eu mesmo até que fazia gosto de cantar uma canção mais alegre. E entôo melodias mais doces, tem dias. Mas na força não, fica feio. Música boa não é aquela que a gente canta, é antes aquela canta a gente quando tem precisão.
hoje canto pouco, ou melhor, nem canto. Só contemplo o rio correr, enquanto a vida vai passando sem pressa para outras margens.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Poemas sem titulo

Queria poder escrever canções mais belas, se possível fosse
Compor melodias que amenizassem dores
Lenitivos para corações doídos
Risadas largas para bocas estreitas
E manter a chama acesa por um tempo mais
Para ver crescer os filhos, assisti-los nas quedas que virão
E escrever poesias
Misturando-as ao ressono do amor cansado, madrugador,
Edredom de chuviscosos invernos e neblinas opacas.
Ah! Que delícia é estar aqui ainda, amigo velho,
Ainda que seja para dizer bobagens
Não ter passado é mais uma vez aguardar futuros
É mais uma vez permanecer presente.
Eu espero e enquanto espero, vou caminhando,
Nestes rumos de fim de mundo
Rodeado de pastos verdes
E estradas desertas
Com as velhas canções de sempre.

domingo, 10 de abril de 2011

Inverno




Com as suas agulhas de vidro bordado
Mais uma vez o inverno chega
Seus clarões e flashes de prata
Seus trovões de terra cindida
Poética de água celeste
Que seja bem vinda

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Da Ontológica Voragem



Não lembro de um dia sequer em que eu tenha desejado muito na vida ser ator. Quando fiz o meu primeiro curso de formação mais vertical, há duas décadas, percebi que havia colegas de sobra querendo subir ao palco, ficar sob os refletores, ter o nome no jornal, coisas desse tipo... e isso muitas vezes me roubava a paciência. Para mim, mais importante era entender o que era “fazer teatro”, qual a necessidade que se tinha de se produzir algo tão efêmero e tão cheio de dores de cabeça. E qual a necessidade tem uma pessoa de sair de casa, à noite, para “ver teatro”. O que tinha aquilo tudo de mágico e sedutor? Algumas criações me pegavam mais que outras. Algumas me exasperavam (de tão ruins!) mais que outras... e quase nunca eu me achava satisfeito: nem com o que fazia, nem com o que assistia. Um amigo meu, na época, dizia: “Deus do Céu, como tu é muito chato!”. E sou.
Eu ficava sempre de lado, tentando entender aquele troço todo, o “como” se fazia, que ideias, que surpresas, as idas e vindas, as angústias da criação, a alegria das descobertas. Sabia que sabia pouco. E que era preciso saber mais, fuçar mais, garimpar mais fundo, estudar mais, ler mais, ver mais filmes, e mais peças, e mais Arte Pictórica e mais Música. Minha ignorancia do mundo eu devia à formação escolar, que se deu 100% em escola pública (depois eu descobri que não, tem muita gente com escola decente, que também é ignorante pra caramba)e lá nunca se falava sobre coisas, fatos, pessoas (poetas, dramaturgos, cineastas, pintores, romancistas), movimentos, que ainda hoje me parecem essenciais. A escola não ensinava a pensar. E quando fui parar no teatro pra valer, o não-saber me cobrou juros altos.
Anos mais tarde, quando finalmente me vi com algumas possibilidades de vir a trabalhar como ator, me dispus a sê-lo com os que considerava os “melhores diretores da cidade”. E estive presente em espetáculos para crianças, para jovens, para adultos, dublando bonecos, recitando poesia, fazendo “leituras dramatizadas”, substituindo colegas em produções de qualidade duvidosa, mas quase nada, muito pouco, me deixava feliz.
Uma vez confidenciei a um colega de trabalho que achava teatro (Arte em geral) um troço muito ligado à Filosofia. Fui rechaçado. “Arte é Arte”, me disse. “Filosofia é filosofia”. Engraçado eu não depositar muita fé neste tipo de afirmativa, uma vez que eu tinha tendência a acreditar em muita gente mais velha que eu, com experiência mais larga no fazer artístico.
Mas, se isso fosse verdade, que arte não tem nada a ver com filosofia, porque existia Fellini? E Mizogushi? E Tarkovsky? E Rodin? E Rilke? E Woolf? E Mann? E Broch? E Musil? No dia em que assisti pela primeira vez um filme de Bergman (“O Sétimo Selo), quase não dormi. Começava a entender que arte pode não ser só entretenimento (nada contra o entretenimento), que podia ser algo mais denso, mais forte, mais enigmático. Acho que foi por ai que comecei a me interessar por dirigir espetáculos e, aos pouco, fui deixando esmaecer a ideia de ser ator.
Cada dia mais apaixonado pela Filosofia, pelo Mítico, pelo Místico, pelo Simbólico, pelo Numinoso, pelo indizível, me vejo às vezes na iminência de enlouquecer. “Por que não deixa então o teatro e vai se danar a escrever tratados de Metafísica?”, podem perguntar. É que a minha forma de dar vazão ao que acredito, ao que considero essencial, é fazer com que a Filosofia possa habitar o meu campo de trabalho predileto; escrevo metafísica no campo nu do palco. Por isso não posso dissociá-los naquilo que faço, por que é imperidoso para mim fazer assim e faço com todo o meu ser... e só dessa forma me sinto (um pouco) realizado. Não é para dar conselhos a ninguém, não é para passar “mensagem” nenhuma. Não é para achar que essa é a melhor maneira, que ela dilacera com as demais. É apenas para tentar compreender melhor a época em que vivemos e quem somos em meio a isso tudo. É o meu jeito de escrever e pensar as coisas todas. Só isso. E isso é tudo.