sexta-feira, 3 de setembro de 2010

SOLDADO



Vivesse sobre os escombros a felicidade fátua de purezas
E toda a realidade fosse a dissipação do querer
E só nossos pensamentos tornar-se o que se quer
Não haveria morte tão precoce tão pouco vida prematura
Nem o tempo seria nosso passar

Existe longe um brilho nos olhos do soldado que nenhuma guerra quis lutar
Um soldado sem armadura, sem escudo, um guerreiro mudo de tão pouco falar
Mas, entretanto, há sangue nesse guerreiro que tantos desejam sangrar
Há também em sua mão o gesto que desenha o espaço e o modela em gentilezas
Há, sobretudo, nesse soldado, uma tristeza
Não a sua, que essa é fácil desvendar!
Há a tristeza do comboio humano sem consciência
Há nesse soldado ausente de batalhas uma guerra toda dentro do peito
Há em si, o solitário da sua própria falta de jeito
Há nesse soldado respeito de nada pois não o tem para si
Há nesse soldado uma intensa vontade de viver

Um sonho
A saudade
Uma rua
Uma mata
Uma amada dissipada em acordes musicais

Há nesse soldado um rosto de duas partes como um planeta ao meio
Há nele o centeio do pão antes do forno
Há o suborno do passar
Há o maneiro peito de pelos ofegantes de ar trigo balançando ao vento
Há ungüentos em seu paladar e calafrios em seus cabelos
Há nesse soldado quase cavaleiro um cavalo imaginário impossível de montar
Há granito em seu olhar
Dimensões erradas em suas proporções
Há nesse soldado uma cor cinza de estátua
Há um abismo em cada passo desse soldado

Há quedas
Derrubadas
Insurreições
Ocupações
Derrocadas

Há nesse soldado sem guerra onde lutar
Si em si
E todos, de todos, quando a questão é lutar
Há nesse soldado sem gemidos de ferimentos
Ter acreditado em todas as batalhas.

Almir Rodrigues

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