quarta-feira, 8 de setembro de 2010
O MAIS PESADO DOS PESOS
“E se um dia ou uma noite
um demônio se esgueirasse
em tua mais solitária solidão e dissesse:
‘Esta vida, assim como tu a vives agora
e como a viveste,
terás de vivê-la ainda uma vez
e ainda inúmeras vezes;
e não haverá nela nada de novo,
cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro
e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande
em tua vida há de te retornar,
e tudo na mesma ordem e seqüência
– e do mesmo modo esta aranha
e este luar entre as árvores,
e do mesmo modo este instante
e eu próprio.
A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez
– e tu com ela, poeirinha da poeira!’
– Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes
e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim?
Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias:
‘Tu és um deus, e nunca ouvi mais divino!’
Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti,
assim como és,
ele te transformaria e talvez te triturasse;
a pergunta, diante de tudo e de cada coisa:
‘Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?’
pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir!
Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo
e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última,
eterna confirmação e chancela?”
Nietzsche, Gaia Ciência, 341
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