domingo, 28 de setembro de 2014


“Isto tem a ver com minha infância parisiense, as idas e vindas entre o subúrbio onde habitavam meus pais e o colégio do nono distrito no qual, no começo dos anos 1930, eu fazia meus estudos secundários. Nessa época, as ruas de Paris eram animadas por numerosos cantores de rua. Eu adorava ouvi-los: tinha meus cantos preferidos, como a rua do Fauborg Montmartre, a rua Saint-Denis, meu bairro de estudante pobre. Ora, o que percebíamos dessas canções? Éramos quinze ou vinte troca-pernas em trupe ao redor de um cantor. Ouvia-se uma ária, melodia muito simples, para que na última copla pudéssemos retomá-la em coro. Havia um texto, em geral muito fácil, que se podia comprar por alguns trocados, impresso grosseiramente em folhas volantes. Além disso, havia o jogo. O que nos havia atraído era o espetáculo. Um espetáculo que me prendia, apesar da hora de meu trem que avançava e me fazia correr em seguida até a Estação do Norte.
Havia o homem, o camelô, sua parlapatice, porque ele vendia as canções, apregoava e passava o chapéu; as folhas volantes em bagunça num guarda-chuva emborcado na beira da calçada. Havia o grupo, o riso das meninas, sobretudo no fim da tarde, na hora em que as vendedoras saíam de suas lojas, a rua em volta, os barulhos do mundo e, por cima, o céu de Paris que, no começo do inverno, sob as nuvens de neve, se tornava violeta. Mais ou menos tudo isto fazia parte da canção. ERA A CANÇÃO”.

Paul Zumthor

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Pensei em botar internet em minha casa. Mas se botasse não dormiria mais. Passaria a noite escrevendo bobagens. Prefiro ler. Isso me fez lembrar o Luiz Mauricio Carvalheira que ao invés de comprar uma TV, comprou foi uma rede, por que além de útil era ócio. 

A Queda de ÍCaro - René Milot


Visitei minhas avós. 94 anos cada uma. A preta e a branca.
Cansadas de guerra, se queixam das dores que a vida longa lhes trouxe.
Choro quando lembro de que um dia correram atrás de mim, me deram colo e castigo.
A preta era um consolo no sítio sem luz. A gente ficava ouvindo rádionovela quando o candeeiro se apagava. Uma noite o meu dente danou-se a doer e a pobre varou a noite me ajudando no que podia. Nas minhas férias voltava a Aldeia, para o sítio dela, e o mês voava ligeiro, num instante estávamos no fim e tinha de voltar para casa, o que nem sempre me era feliz.
A branca uma vez me deu uma baita surra por que eu perturbava até a criatura pedir clemência a Deus. E, por causa da pisa, levei um tempo odiando estar na sua presença.
Mas ambas são sagradas para mim e imagino que não durarão tanto mais, tendo em vista a idade adiantada (embora eu mesmo possa deitar antes delas em terra fria).
O meu ex-sogro (pelo menos eu o tinha como um sogro, mesmo sendo apenas avô da minha ex-mulher) morreu com 106 anos. Adorava tomar um vinho tinto antes do almoço na sua taça de cristal. Era uma pessoa altamente elegante. Anos atrás, quando ainda era casado, encontrei Pedrinho chorando no quarto escuro, pouco antes de cair no sono.
- Que foi, meu filho?
- Saudades de vovô.
- Eu também, amor, sinto saudades dele.
Olhando as fotos da flor de Rita, torço para que ela tenha vida longa e cheia de alegrias. Por que no final é isso o que temos: momentos. Que seja, cada um deles, uma celebração à vida.