terça-feira, 15 de abril de 2014

Sentido e contra-senso da revolta



“Os grandes momentos da arte e da cultura no século XX são momentos de revolta formal e metafísica. (...) Estamos atualmente entre dois impasses: fracasso das ideologias revoltadas, por um lado, enxurrada da cultura-mercadoria, por outro. (...)
Qual é a necessidade dessa cultura-revolta? Por que se encarniçar em ressuscitar formas de cultura cujos antecedentes descobri entre dúvida cartesiana e negatividade hegeliana, entre inconsciente freudiano e “vanguarda”? Tudo não está simplesmente perdido para sempre? Por que não nos contentarmos, após a morte das ideologias, com a cultura-divertimento, com a cultura-show e com os comentários complacentes?
A questão que desejo tratar é a da necessidade de uma cultura-revolta numa sociedade que vive, se desenvolve e não estagna. Com efeito, se essa cultura não existisse em nossa vida, seria o mesmo que deixar essa vida se transformar numa vida de morte. (...)
Há urgência em desenvolver a cultura-revolta a partir da nossa herança estética e a encontrar para ela novas variações. Heidegger pensava que somente uma religião podia ainda nos salvar; diante dos impasses religiosos e políticos de nossa época, podemos pensar hoje que somente uma experiência de revolta seria capaz de nos salvar da robotização da humanidade que nos ameaça.
(...)
Nosso mundo moderno atingiu um ponto de seu desenvolvimento onde certo tipo de cultura e de arte, se não toda a cultura e toda a arte, está ameaçada, até mesmo impossibilitada. Como lhes disse, não a arte ou a cultura-show, nem a arte ou a cultura-informação consensuais favorecidas pelas mídias, mas justamente a arte e a cultura-revolta.
(...)
Em vez de adormecer na nova ordem normalizadora, tentemos reanimar a chama, que tem tendência a se apagar, da cultura-revolta.”

Julia Kristeva

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