“Os grandes momentos da arte e da cultura no século XX são
momentos de revolta formal e metafísica. (...) Estamos atualmente entre dois impasses:
fracasso das ideologias revoltadas, por um lado, enxurrada da
cultura-mercadoria, por outro. (...)
Qual é a necessidade dessa cultura-revolta? Por que se
encarniçar em ressuscitar formas de cultura cujos antecedentes descobri entre
dúvida cartesiana e negatividade hegeliana, entre inconsciente freudiano e “vanguarda”?
Tudo não está simplesmente perdido para sempre? Por que não nos contentarmos,
após a morte das ideologias, com a cultura-divertimento, com a cultura-show e
com os comentários complacentes?
A questão que desejo tratar é a da necessidade de uma
cultura-revolta numa sociedade que vive, se desenvolve e não estagna. Com efeito,
se essa cultura não existisse em nossa vida, seria o mesmo que deixar essa vida
se transformar numa vida de morte. (...)
Há urgência em desenvolver a cultura-revolta a partir da
nossa herança estética e a encontrar para ela novas variações. Heidegger pensava
que somente uma religião podia ainda nos salvar; diante dos impasses religiosos
e políticos de nossa época, podemos pensar hoje que somente uma experiência de
revolta seria capaz de nos salvar da robotização da humanidade que nos ameaça.
(...)
Nosso mundo moderno atingiu um ponto de seu desenvolvimento
onde certo tipo de cultura e de arte, se não toda a cultura e toda a arte, está
ameaçada, até mesmo impossibilitada. Como lhes disse, não a arte ou a
cultura-show, nem a arte ou a cultura-informação consensuais favorecidas pelas
mídias, mas justamente a arte e a cultura-revolta.
(...)
Em vez de adormecer na nova ordem normalizadora, tentemos
reanimar a chama, que tem tendência a se apagar, da cultura-revolta.”
Julia Kristeva
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