Vocês não têm a menor idéia de quantas e tantas vezes pensei
em desistir. Não ir mais a teatro, não pensar mais em teatro, não passar mais
nem na frente de um teatro. Cheio até o talo, até não mais poder! A falta de
tato de tantos, a correria atrás de financiamentos, o não ter grana, os
atropelos, os especialistas de olhar voltado para uma estética decadente mas
endeusada, a escassez de crítica decente, a burocracia dos equipamentos
públicos, a idiotização de boa parte dos que têm assento nos Quatro Poderes...
Fora a insônia e o sonhar acordado com cenas, ideias que vêm
na hora do banho, na hora do sono bom, na hora da trepada e nos legam a
travessia dura de uma noite inteira na frente do computador, escrevendo e
reescrevendo textos, pretextos, protestos...
E mais o desejo de fazer melhor, querer fazer diferente das
cartilhas, correr mais riscos para ver algo vivo vingar, tomar forma, ficar de
pé, ganhar voz e ressoar poderoso nos presentes...
Fora o querer descobrir procedimentos mais eficazes de
treinar os seus atores e participar mais efetivamente da proposta honesta de transformações
humanas...
O pensar e repensar o próprio percurso (todo santo dia!), se
questionar sobre os caminhos tomados e os a tomar...
E a vontade de se capacitar a fim de não se permitir a
cristalização, nem da alma e nem do corpo, nem das ideias...
Além de muitas vezes se sentir sugado até o limite do
humano, o cansaço, a frustração de tantas coisas queridas que morrem na
praia...
Fora o se sentir ignorante de tantas coisas...
Fora o querer saber um tantinho mais a cada dia... descobrir
coisas novas
Ai a gente se despede do teatro
E fica com uma agonia no peito
Uma sensação (nada vaga) de vazio perpétuo
O tempo escoando sem nada se fazer, nada pelo menos que dê
um valor ao existir
Que dê sabor ao saber
Uma sensação de sozinho
Ai toca o telefone e alguém te convida para um projeto
irrecusável
E o corpo todo treme
E tudo retorna com fome mais voraz
E o cara que tinha antes jurado desistir
Mais uma vez se ergue para o delírio