Muitas vezes vou assistir ao trabalho dos amigos no teatro e
fico no hall com o coração batendo forte, ansioso, esperando que haja lá
dentro, na sala, no palco, diante dos meus olhos, o milagre, a mágicas, o sonho
de uma descarga grande de poesia capaz de matar um pouco a minha sede. E
esperar, então, é tudo de bom. Fico ali aguardando para testemunhar o que os
artistas prepararam para nós.
Mas o que acontece, no mais das vezes, é que saio com mais
sede do que quando entrei. Decepcionado. Há poética, há até mesmo poemas, mas
nada de poesia e transformação e alteridade. E fico à espera das novas tentativas,
que estão por vir.
Amanhã seremos nós da Companhia Circo Godot que estaremos oferecendo um pouco dessa poesia sonhada,
gestada, desejada, uma interferência na vida prosaica e cotidiana, para matar a
sede dos que vierem. Conseguiremos? Quem sabe!
Só quando estamos frente a frente com os desafios intrínsecos
à construção da obra é que nos damos conta da real dificuldade que é fazê-la, torná-la
viva, real, avassaladora, pulsante. Não falo dos transtornos de se fazer uma
peça (seja de teatro ou dança), por que uma peça não vai nem vem, na minha
humilde opinião, não gosto de fazer peças de teatro, me recuso a fazê-las. E
quando participo de uma, no mais das vezes me sinto muito mal por que tenho a sensação
de que gastei o meu tempo, meu suor, minhas forças com algo que não vai fazer a
menor diferença na vida das pessoas (nem na minha, na verdade). O que gosto
mesmo (oh! Deus, como gostaria de poder e saber fazer mais!) é de construir
obras em que a gente se espelhe, se veja lá dentro, se redescubra, se altere,
se revire, se transtorne, se terremotize, se enterneça, se comova, se alimente
sem jamais saciar por completo a fome e a sede! O que gostaria mesmo é de fazer
uma obra de Arte, como dizia o Martin; ou, como costuma dizer o bom e querido
Damiano em sua singela forma de olhar o mundo: fazer “Obras D’arte”.
No entanto, só quando metemos a mão na massa é que a gente vê
o quanto é difícil construir algo que tenha sentido e presença, principalmente
se esse algo foge do politicamente correto e aceito, se esse algo quer adentrar
as sombras que nos habitam desde a infância, se esse algo quer ser uma obra.
Para mim o que fica é que erigir a tal “obra d’arte” sempre
será um desafio, sempre maior que fazer uma peça, porque implicará em sair dos
trajetos preestabelecidos das receitas, implicando em riscos assumidos do
início ao fim.
“Le Petit: Grandezas do Ser”, com pré-estréia marcada para
amanhã, 16h, no Teatro Marco Camarotti (SESC Santo Amaro-Recife), é o nosso
convite ao desentorpercimento. É sobre amor, amizade, ciúmes, raiva, reencontros,
perdas e ganhos, sem a pronúncia de uma só palavra... ou melhor, com a
pronuncia de uma só palavra, banal e cotidiana. É sobre o que fica pra gente depois
que os que amamos se vão para nunca mais voltarem.
Um presente, um poema, uma alegria, um desastre? Só amanhã, saberemos
o quanto do alvo pudemos acertar.
(Para Marisa Santanafessa)
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