Diz muito pouco hoje alguém ser artista, porque todo mundo, exceto os que se recusam, se veem no direito de se autodenominarem assim. O sujeito bate um pau na lata e é músico já... “genial”, dirão os especialistas dos “Eu quero tchu”; outro sobe no palco, diz dois versos de trevez e é ator consagrado, com direito a fã-clube e tudo.
Oh, meu Deus! Tão difícil encontrar um artista mesmo, um que nos lance na cara as nossas dores e idiossincrasias. Artista era Proust. E Deleuze soube artisticamente esmiuçar a obra do Tempo Perdido. Artista era Celine, que batia sem piedade o politicamente correto. Artista era Van Gogh, que para além do que o mundo queria ver, sabia do que precisava ele, sozinho, fazer emergir da noite estrelada. Artista é a Fernanda Montenegro, que torna o mistério visível em seu Viver Sem Tempos Mortos”, artista é o Antunes Filho que faz parecer simples e fácil o que é desafiador e eterno no humano. Artista é o Nelson Freire, que no leva para mundos profundos com seu piano negro. Artista era Quitana, que nem gostava de dar entrevistas.
Bom é ler, ouvir e ver alguém senhor de seu ofício (Borges, Otávio Paz, Joyce, Mann). Outro dia tive o prazer de ver uma demonstração de trabalho do Carlos Simioni, cheíssimo de graça e encantamento. Simplesmente bárbaro, verdadeiro, enternecedor. E só vendo-o se percebe que não se chega ali sem esforço, suor e sacrifício, sem dedicar a vida, o tempo, a alma.
A maioria que se diz artista não sofre as intempéries das tempestades, as solicitações dos ritos difíceis que a arte requer. Vemos isso em suas mãos, nos rostos, na forma como falam e lidam com a própria existência.
A Marina Colasanti falava outro dia pra gente de projeto de vida, de que ser era para ela mais importante que o parecer ser. Ô Marininha, quem nos dera ter como meta estabelecer e correr os riscos que um plano de vida pressupõe, aos artistas e aos não artistas. Por ora, impera o mau gosto com respaldo dos estudiosos e tudo é igual a tudo, poucas diferenciações habitando o mundo sensível de agora. Escritores ruins ganham prêmios e se consagram, encenadores excelentes, como Almir Rodrigues, são esquecidos e deixados a resmungar no fundo da sala escura, sem ter quem, infelizmente, os ouça.
Se me perguntam se sou artista, costumo dizer que não, nego. Não quero ser. Me recuso. Deixo isso aos meus pares, de coração menos doído, de alma e semblantes mais leves, absolutamente despreocupados com as fatais dores do mundo.
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