Semanalmente
eu ia à biblioteca (aquela do Parque 13 de Maio, a Estadual Presidente Castelo
Branco), não para conseguir livros novos exatamente. Mas para pegar os velhos, os
de páginas amarelecidas pelo tempo, os riscados, os com marcas e histórias, os
esquecidos. Certa vez notei que em um exemplar de Kramer Versus Kramer alguém tinha se dedicado a sublinhar todos os
palavrões impressos no livro. Achava engraçado isso. Teria sido um puritano
religioso? Ou um sacana desses sem jeito para ter se dado a tal trabalho? Teria
sido homem ou mulher? Eu ia nas fichas de empréstimo, coladas na última página
do livro e ficava tentando desvendar as datas e as assinaturas. Quem deles,
teria sido? Muitas vezes percebia que o livro não saia das prateleiras em
décadas.
Com
poucos dinheiros no bolso, adolescente dos chatos, eu comia livros, varava as
noites, madrugadas. Eu
Sou o Queijo, de Robert Cormier , Um Belo Verão Perdido,
de William Inge, O
Velho Bairro, de Avery Cormann, Ouvi a Coruja Chamar Meu Nome,
de Margareth Craven (com tradução da Clarice Linspector), A Ilha do Tesouro,
de Stevenson, Os Três
Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, Bartleby, de
Melville, Seminário
dos Ratos, de Lygia Fagundes Telles, Feliz Ano Velho,
de Marcelo Rubens Paiva... Estava tudo lá: aventuras, mortes, romances,
encontros, partidas, desfechos e tramas surpreendentes...
No
inverno, com a desculpa de não ter levado guarda-chuva, ficava tardes inteiras,
esquecido de mim, na Circulante. Voltava para casa à noite e ficava trancado no
quarto comendo palavras, instigado. "Vai dormir, menino!", dizia a
minha mãe. E eu nem nem, entretido com outros mundos.