terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A Folha em Branco



Se Sherazade, ao invés de contadora de histórias fosse escritora, teria imaginado tantos contos, em tão curto espaço de tempo? Um conto por noite seria possível, se ao contrário de narrar, ela tivesse escrito? Quantas noites levaria refazendo cada uma das narrativas, procurando acessar o indizível por meio de palavras?
A folha em branco é um desafio permanente. Plena de possibilidades, rejeita a virgem brancura por que quer ser mais, quer marcas, traços, garatujas, impressões.
De olho fixo na página em branco, na sua alvura ímpar e provocadora, o desenhista e o pintor imaginam cores, linhas, desenhos, figuras e paisagens. No caso do escritor, ele também pensa em figuras e paisagens, que devem ser produzidos por meio do ajuntamento poético de letras, palavras, frases, parágrafos, páginas, episódios, capítulos, tomos, volumes.
O vazio da página inquire sobre o ser do escritor, sobre as suas impressões de mundo.
Escrever é de novo um recomeço. E no recomeço há essa indagação peremptória: O que há para se contar? No que pode ser isso melhorado? E isso requer refazer, burilar, lapidar, polir, melhorar, aperfeiçoar a textura do texto, o tecido da trama, o traço.
“Ao escrevermos”, disse Deleuze, “como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que sabemos mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro”.

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